A primeira conversa que tivemos não foi propriamente simpática, embora tenha sido bastante educado. O Frágil tinha sido fechado depois de uma notícia em que o dono de um bar concorrente afirmava que tinha sido encerrado por não ter licença de pista de dança quando não faltavam outros espaços na mesma situação, falando, salvo erro, em dois ou três, entre os quais o Frágil. Dias depois, a casa de Manuel Reis seria encerrada, tendo então o “Expresso” feito uma chamada de primeira página. Quando o bar reabriu fui lá falar com Manuel Reis, que estava, obviamente, contente com a reabertura, mas chateado com as notícias que tínhamos feito. Confessou-me que o fecho decretado por um departamento da Secretaria de Estado da Cultura tinha sido o pior momento da sua vida e ficámos um bom tempo a falar sentados num banco alto, logo à entrada. À medida que os amigos iam chegando, cumprimentava-os calorosamente. Nessa época, tenho ideia que a famosa Guida Gorda – era assim que era conhecida Margarida Martins – já não fazia a porta. E foi nessa conversa que Reis me explicou um pouco da sua teoria sobre a famosa seleção da clientela. Como tudo estava a mudar na década de 90, entendia que não era preciso muito rigor à entrada, já que quem entrasse e não se sentisse enquadrado na filosofia do Frágil acabaria por sair naturalmente – algo que na década de 80 era completamente diferente, tendo o Frágil sido das portas mais difíceis de transpor.
A noite acabou muito mais desanuviada e desde então sempre nos cumprimentámos cordialmente. Há uns anos, quando o Lux Frágil mudou de porteiro, ao chegar ao espaço dirigi-me à entrada dos clientes habituais e fui recambiado para a fila normal. Não disse nada e assim fiz. Quando ia a passar pelo detetor de metais, Manuel Reis viu-me e chamou meio mundo dizendo que alguém se tinha equivocado, já que eu era há muito cliente da casa e que não percebia como eu estava naquela fila. Era natural que uma porteira nova não conhecesse todos os habitués, mas desde esse dia que nunca mais tal voltou a acontecer. A última vez que o vi penso que foi há dois meses, mas não percebi que já estava bastante doente.
Manuel Reis ficará na história da noite portuguesa por ter contribuído para a abertura de muitas mentes e ter conseguido aliar qualidade a quantidade. As diferentes decorações do Lux desde que abriu em 1998, a aposta em grandes DJ e o serviço impecável sempre foram as suas grandes preocupações.
Sei, independentemente de tudo, que foi um grande vendedor de sonhos e que contribuiu para a felicidade de muitos milhares de pessoas. Muitos divertiram-se no Frágil ou no Lux como nunca imaginaram que pudessem fazê-lo. Quando, por exemplo, David Bowie morreu, Manuel Reis organizou uma festa de bar aberto num domingo à tarde, sugerindo que os convidados fizessem uma pequena homenagem ao músico vestindo-se ou pintando-se de acordo com as várias personagens do cantor camaleónico.
Não é preciso ser adivinho para perceber que Manuel Reis irá receber muitas homenagens por tudo o que fez pela cidade, mas a melhor de todas seria que os espaços que idealizou e ainda estão abertos – o Frágil é hoje um bar irlandês – continuassem a sua obra e não perdessem qualidade. Se haverá alguém capaz de o fazer, não sei. Mas sei que construiu uma máquina que tem respondido aos desafios. No entanto, é lógico que o Lux nunca mais seja o mesmo sem o homem discreto vestido de preto e que gostava de observar as pessoas a divertirem-se. Quase sempre de copo numa mão e o cigarro na outra. Um brinde ao Manel Reis!