Esta semana, a Comissão Técnica Independente publicou o seu relatório sobre os incêndios de Outubro, o qual foi arrasador para o governo e para os serviços da Protecção Civil sob a sua tutela, acusando-os de falta de capacidade de previsão e programação, não disponibilização dos meios necessários e mesmo de abandono das populações, já que quase metade dos municípios apenas contaram com os seus próprios meios para o combate aos incêndios. Tal é especialmente grave uma vez que, depois dos graves incêndios de Junho em Pedrógão Grande, qualquer governo minimamente competente tinha obrigação de reforçar os meios de combate para prevenir a ocorrência de novos incêndios. Mas o governo, seguindo o exemplo do primeiro-ministro, que preferiu ir de férias aquando dos fogos de Junho, manteve-se no dolce fare niente, permitindo assim a ocorrência de novas tragédias.
Sobre o relatório da Comissão Técnica Independente, acerca do qual devia explicações aos portugueses, o governo não disse absolutamente nada, tendo o primeiro-ministro afirmado que nem sequer o tinha lido. Preferiu, em lugar disso, montar uma operação de propaganda, chamando os jornalistas para filmarem os governantes a limpar os terrenos florestais. Foi assim que assistimos ao primeiro-ministro e a alguns membros do seu governo, mascarados de sapadores florestais, apesar de o Carnaval já ter passado, a realizar uma limpeza de terrenos, durante brevíssimos minutos, que cessava logo que as câmaras eram desligadas. Rui Rio criticou, e bem, o que considerou ser uma “acção de marketing” para “desviar atenções”, ao que António Costa respondeu dizendo que era antes uma “campanha de comunicação”. Mas o que António Costa fez foi uma verdadeira operação de propaganda, destinada a atribuir as culpas dos incêndios aos proprietários rurais e a mostrar que o governo está a fazer alguma coisa quando, na verdade, a sua política de combate aos incêndios tem sido um rotundo fracasso. Basta ver que, na sua fabulosa “reforma da floresta”, a lei 76/2017, de 17 de Agosto, definiu a época de incêndios entre 1 de Julho e 30 de Setembro, logo a seguir ao dramático incêndio de Pedrógão, em meados de Junho, tendo pouco tempo depois ocorrido o incêndio da Lousã, em meados de Outubro.
Só que a propaganda não resolve tudo. Mesmo um dos maiores utilizadores da propaganda que existiram, Lenine, costumava dizer que “os factos são teimosos”. E na verdade, precisamente no mesmo dia em que o governo se envolvia nesta operação de propaganda, falecia mais uma vítima dos incêndios de Outubro. Faleceu longe das câmaras de televisão, limitando-se a aditar mais um número à já extensa lista de vítimas dos fogos florestais do ano passado, que inicialmente até foi escondida dos portugueses, a pretexto de “segredo de justiça”. Na verdade, em vez de se esclarecer de vez o que se passou nas duas tragédias e apurar as devidas responsabilidades, o que se procura é esconder toda a dimensão das tragédias e montar uma realidade alternativa, com o governo a limpar matas para as televisões verem.
Mas a verdadeira realidade, as televisões não mostram. Essa é a dos cidadãos anónimos, residentes no interior, idosos e esquecidos. Esses cidadãos, que já foram vítimas da tragédia dos incêndios, e de quem agora se pretende que limpem matas, muito para além das suas forças e da sua capacidade financeira, não têm ninguém que os venha filmar quando vierem limpar os terrenos, quais verdadeiros servos da gleba. Para esses, a limpeza dos terrenos não é um faz-de-conta para as televisões verem, mas sim uma dura exigência que até já provocou uma vítima mortal quando, em Penacova, um proprietário de 82 anos morreu vitimado pela árvore que tentava cortar. A diferença entre a dura realidade e uma operação de propaganda é precisamente essa. Na vida real morre-se a sério. Na propaganda, só se consegue morrer de ridículo.