Não é possível falar de hacktivismo sem referir o grupo ativista Anonymous, bem como a WikiLeaks de Julian Assange, e o papel que desempenharam na consolidação desta nova forma de protesto até pela íntima ligação que ambos manifestam. Foi o grupo Anonymous que iniciou uma série de ataques contra grandes corporações que se recusaram a apoiar o site WikiLeaks.
Mas comecemos pelo princípio. A 28 de novembro de 2010, a diplomacia norte-americana viu a divulgação das suas operações e ligações publicadas nos principais jornais internacionais – uma ação sem precedentes que comportou não apenas implicações ao nível da segurança como em relação ao modus operandi da diplomacia norte-americana. No total foram mais de 2 mil ficheiros divulgados como uma ação de hacktivismo contra o mainstream político. A WikiLeaks, que se apresenta como uma organização multinacional de média, tem sido responsável pela divulgação de milhares de documentos classificados. É evidente que as causas globais anti-establishment deram ao hacktivismo o pretexto necessário para divulgar informações que promovem as suas causas de várias maneiras, a justificação necessária para ofuscar o cibercrime sob a égide da defesa dos direitos humanos, do combate à corrupção e ao terrorismo ou das grandes ações de intelligence dos Estados. São exemplos disso a divulgação dos emails de Hillary Clinton, de Bashar al-Assad ou de Erdogan e de altas figuras políticas do seu partido, de documentos do Banco Julius Bär revelando altíssimos esquemas de corrupção ou, mais recentemente, do ELSA Program da CIA, um malware para aparelhos ligados a redes wi-fi, mas a verdade é que por muito que Assange, com o seu WikiLeaks, nos tenha despertado para uma maior exigência na prestação de contas daqueles que nos governam, fá-lo com recurso ao cibercrime e com as consequências próprias do multidomínio do ciberespaço.
Mas o hacktivismo também é patrocinado pelos Estados. Exemplo disso foi a operação “Titan Rain”, numa série de ataques direcionados aos sites de segurança e de defesa dos EUA por hackers militares chineses, ou no Irão, como formas de combater a censura. As semelhanças entre esses movimentos e a campanha do WikiLeaks são mostradas pelo apoio oferecido pelo Anonymous à iraniana “Revolução Verde” e à Primavera Árabe. Ironicamente, foi o WikiLeaks que expôs o hacking chinês contra o dalai lama, enquanto outro grupo, o Hong Kong Blondes, também interrompeu redes chinesas nos anos 90.
A mudança mais significativa a que assistimos no novo mundo do hacktivismo foi em 2011. É a partir deste momento que se dá um aumento do hacktivismo contra organizações maiores em todo o mundo, um número impressionante de ataques feitos por ativistas com muita regularidade, envolvendo massas críticas de pessoas comuns e causando um grande esforço de resposta à cibersegurança, mas levantando, nalguns casos, dúvidas jurídicas tremendas quanto à licitude do protesto.
A promessa de uma internet para ativistas está aí. Os social media têm ganho uma enorme preponderância na transformação das sociedades, de regimes políticos e de estruturas sociais. O desafio será a forma como interpretamos e lidamos com este fenómeno de participação e protesto contra a arquitetura contemporânea da sociedade, sobretudo porque o potencial ativista da internet é diretamente proporcional às dúvidas e incertezas jurídicas que se geram, quer na interpretação das ações de protesto, quer na forma como os Estados podem atuar na prevenção e repressão deste emergente fenómeno. O caso Cambridge Analytica é prova disso. A empresa de análise de dados que trabalhou para a eleição de Donald Trump e para a a vitoriosa campanha do Brexit colheu milhões de perfis de Facebook de eleitores americanos, numa das maiores invasões de dados da gigante tecnológica, usando-os para construir um poderoso programa de software para prever e influenciar opções nas urnas. Hacktivismo institucional ou simples manipulação?
Deputado do PSD. Docente universitário. Escreve à segunda-feira