Sempre que oiço alguém dizer que “é preciso uma reforma da justiça a sério” lembro-me sempre da expressão de Robert Badinter em que um dos males da justiça é o frenesim legislativo que, invariavelmente, resultaria num juízo de democracia de opinião ou, pior, num juízo de democracia de emoção no que às questões da justiça diz respeito.
A reforma da justiça, para ser verdadeira, não é uma iniciativa estanque, elaborada num só momento, nem depende de uma proliferação legislativa cuja eficácia é sempre uma incógnita. Pelo contrário, a dita “reforma da justiça” é um processo contínuo e dinâmico, construído diariamente numa correlação entre os seus diversos atores e de interesses públicos que ela própria pretende alcançar. Quanto mais não seja porque almejar um ajustamento da estrutura judiciária às necessidades da sociedade é um exercício ilógico pela natureza dinâmica da própria sociedade. Dito de outra forma, reformar a justiça é garantir que ela atue de forma eficaz, dentro dos seus tempos (muitas vezes contrários ao imediatismo e à ansiedade pública promovida pelos meios comunicacionais que temos ao dispor) e com as condições necessárias para que essa eficácia se traduza em algo palpável e de reconhecimento público.
Mas isso não quer dizer que ela dispensa acordos não apenas ao nível político que, em parte, exerce a titularidade da sua tutela formal, isto é, é deste poder que depende a criação de meios e condições adequadas à prossecução dos objetivos da justiça, mas também envolvendo as mais diversas instâncias e instituições judiciais, como o Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria-Geral da República e a Ordem dos Advogados, ocupantes, de resto, do centro nevrálgico da justiça, numa simbiose de objetivos e supressão de necessidades que são evidentes.
Concretizando, dentro dos limites espaciais do artigo, deve ser trabalhada a evidente congestão judiciária com especial ênfase na litigância dos tribunais de primeira instância, cuja resolução vai muito mais além da proliferação de tribunais superiores, assim como deve, ponderadamente e respeitando a arquitetura jurídica idiossincrásica, caminhar-se para uma harmonização judiciária ao nível da UE, que é muito diferente da mera transposição ou harmonização de normas comunitárias para os mais diversos ordenamentos jurídicos. Deve aprofundar-se e flexibilizar-se o modelo de organização judiciária garantindo uma maior proximidade da justiça nos litígios laborais ou de família e menores e, aqui, aproximando também o Ministério Público, conferindo-lhe diferente capacidade de atuação.
Deve ser ponderado o recurso às novas tecnologias que permitam uma maior proximidade entre o cidadão e o tribunal, assim como no plano da territorialidade, com as necessárias adaptações às condições socioeconómicas das comunidades em que opera. Mas deve, sobretudo, atender–se a uma justiça profundamente respeitadora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que resista à tentação do mediatismo protegendo a dinâmica instrumental processual e que não a encare como um óbice à realização da justiça, mas sim como um elemento fundamental de defesa de direitos insucumbíveis aos julgamentos populares que toldam a sociedade mediática do momento.
Deputado do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira