Na sua edição de 28 de fevereiro, o editorial da revista “Nature” [1] chama a atenção para um novo código de ética proposto pela comunidade Young Scientists do World Economic Forum [2]. Entre os sete princípios, “procurar a verdade”, “ser mentor” ou “ser responsabilizável” fazem já parte do que é a prática da actividade dos cientistas. Outros princípios enunciados neste novo código de ética consolidam uma alteração significativa da visão sobre o papel e a responsabilidade dos cientistas: “envolver-se com a sociedade”, “apoiar a diversidade” ou “envolver-se com os decisores políticos” obrigam os cientistas a repensar a sua forma de intervenção na sociedade, qual o impacto do nosso trabalho, e até a forma como social e institucionalmente devemos valorizar o trabalho dos cientistas.
A visão idílica da actividade dos cientistas, reflectindo sobre grandes questões e afastados das questões ligadas ao impacto ético e moral da investigação, está há muito ultrapassada. As descobertas científicas do séc. xx provocaram reflexões e dilemas morais e éticos sobre a utilização da ciência, excepcionalmente ilustrados pelo físico Robert Oppen-heimer quando, motivado pelo teste nuclear Trinity, mencionou o texto sagrado hindu “Bhagavad Gita”: “Now I am become Death, the destroyer of worlds” [3]. Anos mais tarde, Oppenheimer explicou: “The physicists have known sin; and this is a knowledge which they cannot lose.” [4,5] O código de ética agora apresentado não esquece esta dimensão e propõe “minimize harm”, um princípio que se deve manter central não só pela permanência da ameaça de guerra nuclear, como também por todos os desafios colocados pelos avanços científicos e tecnológicos, como a inteligência artificial, a engenharia genética, ou pela interdependência entre as dinâmicas sociais e as tecnologias da informação e comunicação.
A proposta de código de ética instiga os cientistas a ir mais longe. Num mundo de fake news, de verdades e medicinas alternativas, os cientistas devem contribuir activamente para as decisões políticas, participando na divulgação científica e técnica relevante e levando os valores, métodos e atitudes da ciência para os processos de decisão política. A ligação dos cientistas ao público também deve ser mais intensa, comunicando os seus resultados e os valores da ciência, mas também estando mais conscientes e alerta para responder às necessidades e aos problemas da sociedade em que se inserem.
Será que os cientistas devem restringir-se aos laboratórios e às suas comunidades profissionais? Ou será que o verdadeiro impacto do seu trabalho está para lá dessas fronteiras? E como fomentamos e valorizamos os cientistas que ultrapassam essas fronteiras? O código de ética proposto pelos “Young Scientists” do “World Economic Forum” é uma fonte importante para respondermos a estas questões e é uma oportunidade para repensar e discutir o papel cada vez mais central que os cientistas podem e devem assumir no mundo em que vivem.
[1] https://www.nature.com/articles/d41586-018-02516-x
[2] http://www3.weforum.org/docs/WEF_Code_of_Ethics.pdf
[3] Richard Rhodes, The Making of the Atomic Bomb, Simon & Schuster, 1986, p. 676
[4] R. Oppenheimer, Physics in the Contemporary World, Arthur D. Little Memorial Lecture, M.I.T., 25 novembro 1947
[5] Ver também http://www.wired.co.uk/article/manhattan-project-robert-oppenheimer
Professor catedrático do Departamento de Física
Presidente do Conselho Científico Instituto Superior Técnico