A crise democrática europeia


Num momento em que a Itália e a Europa precisam de ambição, liderança e uma visão clara de mudança, a sua política permanece paroquial e míope


O filme satírico “Sono Tornato”, de Luca Miniero, estreado o mês passado, imaginou o regresso de Mussolini à Itália do tempo presente. O timing do filme não poderia ser mais perfeito considerando o momento político, cujo resultado eleitoral é hoje conhecido, que este país fundador da União Europeia atravessa. Miniero, a propósito do filme e da coincidência com o momento político nacional, chegou a afirmar que “os italianos, ao contrário dos alemães, nunca enfrentaram o seu ditador, nunca o removeram”, e que “observando o que está a acontecer hoje no nosso país, estou convencido de que, se Mussolini voltasse, ele ganharia as eleições”.

Mas, claro, Mussolini não vai voltar. Apenas Silvio Berlusconi pode fazê-lo novamente. Os problemas de Itália, ainda que numa escala diferente, são, na sua generalidade muito comuns aos dos restantes membros da União. Cenários económicos sombrios, com a produção do país abaixo do período anterior à crise, pequeno crescimento económico concentrado no topo da pirâmide, desemprego nominalmente decrescente, mas apenas devido à disseminação de empregos precários e mal pagos e, particularmente naquele território europeu, um profundo debate sobre os efeitos do aumento da imigração quando o número de italianos que deixam o seu país a ultrapassar o número de migrantes que chegam.

A resposta política ao estado das coisas não tem ido mais além do que fracas tentativas de confusão e pequenas discussões. Com o Partido Democrata, centrado na personagem de Renzi, a tentar promover o “sucesso” económico alcançado nos últimos cinco anos e a prometer mais do mesmo e, do outro lado da barricada, uma coligação, liderada pelo ex-primeiro-ministro, coloca neofascistas, nacionalistas e idosos numa aliança incoerente que promete tudo e o seu oposto. Entre os dois, existe ainda o Movimento das Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo, e que parece disposto a dizer tudo o que seus conselheiros de marketing recomendam, como as recentes posições contraditórias sobre a manutenção italiana na união monetária.

Mas, independentemente do balancear da aritmética eleitoral italiana, as próximas eleições trazem mais uma prova da crise da democracia europeia. Num momento em que a Itália e a Europa precisam de ambição, liderança e uma visão clara da mudança, a sua política permanece paroquial e míope.

Enquanto os desafios económicos, ecológicos e geopolíticos do nosso tempo exigem uma batalha de ideias com visões em concorrência com o resto do mundo, o debate eleitoral das nações europeias tem sido sistematicamente enterrado nas areias de insignificância conduzindo à triste, mas verdadeira, realidade de se encontrarem noutras nações, como é exemplo a China, um planeamento a longo prazo cada vez mais alternativo e cativante à cegueira egocêntrica da Europa.

Mais do que um escrutínio à política italiana estas eleições são um escrutínio à Europa enquanto polo político agregador de Nações livres. A Itália é reflexo das debilidades comuns que vivenciamos no seio da nossa União. Se é verdade que a Europa continua a braços com uma crise económico-financeira de difícil resolução não é menos verdade que se vê ao mesmo tempo confrontada com uma crise política, que incide sobre a segurança e os anseios das gentes do seu território, mas fundamentalmente do seu modo de organização social e de valores que todos assumimos ao longo da sua construção.

Estas duas diferentes crises não podem ser dissociadas dos efeitos psicológicos que ambas incutem na generalidade dos povos europeus e as consequências que esses efeitos podem traduzir no plano do aprofundamento do nosso bloco político. Se, com a raríssima exceção da decisão de saída do Reino Unido – mas que em todo o caso não era membro integrante da união monetária – a resistência à mudança de paradigma monetário organizativo é ainda uma constante para a generalidade dos cidadãos europeus fruto sobretudo da incerteza que gera a um conjunto de fatores conexos de incidência real na vida de cada um de nós, o mesmo provavelmente já não se afirmará, com absoluta certeza, no que respeita à incapacidade visível de falta de resposta ao crescente problema de insegurança transnacional é à incapacidade de ultrapassar as barreiras de concretização de uma União mais justa e mais igual para os povos que a integram. Os tempos difíceis continuam e as perspetivas de mudança real continuam igualmente. Mas como miragem.


A crise democrática europeia


Num momento em que a Itália e a Europa precisam de ambição, liderança e uma visão clara de mudança, a sua política permanece paroquial e míope


O filme satírico “Sono Tornato”, de Luca Miniero, estreado o mês passado, imaginou o regresso de Mussolini à Itália do tempo presente. O timing do filme não poderia ser mais perfeito considerando o momento político, cujo resultado eleitoral é hoje conhecido, que este país fundador da União Europeia atravessa. Miniero, a propósito do filme e da coincidência com o momento político nacional, chegou a afirmar que “os italianos, ao contrário dos alemães, nunca enfrentaram o seu ditador, nunca o removeram”, e que “observando o que está a acontecer hoje no nosso país, estou convencido de que, se Mussolini voltasse, ele ganharia as eleições”.

Mas, claro, Mussolini não vai voltar. Apenas Silvio Berlusconi pode fazê-lo novamente. Os problemas de Itália, ainda que numa escala diferente, são, na sua generalidade muito comuns aos dos restantes membros da União. Cenários económicos sombrios, com a produção do país abaixo do período anterior à crise, pequeno crescimento económico concentrado no topo da pirâmide, desemprego nominalmente decrescente, mas apenas devido à disseminação de empregos precários e mal pagos e, particularmente naquele território europeu, um profundo debate sobre os efeitos do aumento da imigração quando o número de italianos que deixam o seu país a ultrapassar o número de migrantes que chegam.

A resposta política ao estado das coisas não tem ido mais além do que fracas tentativas de confusão e pequenas discussões. Com o Partido Democrata, centrado na personagem de Renzi, a tentar promover o “sucesso” económico alcançado nos últimos cinco anos e a prometer mais do mesmo e, do outro lado da barricada, uma coligação, liderada pelo ex-primeiro-ministro, coloca neofascistas, nacionalistas e idosos numa aliança incoerente que promete tudo e o seu oposto. Entre os dois, existe ainda o Movimento das Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo, e que parece disposto a dizer tudo o que seus conselheiros de marketing recomendam, como as recentes posições contraditórias sobre a manutenção italiana na união monetária.

Mas, independentemente do balancear da aritmética eleitoral italiana, as próximas eleições trazem mais uma prova da crise da democracia europeia. Num momento em que a Itália e a Europa precisam de ambição, liderança e uma visão clara da mudança, a sua política permanece paroquial e míope.

Enquanto os desafios económicos, ecológicos e geopolíticos do nosso tempo exigem uma batalha de ideias com visões em concorrência com o resto do mundo, o debate eleitoral das nações europeias tem sido sistematicamente enterrado nas areias de insignificância conduzindo à triste, mas verdadeira, realidade de se encontrarem noutras nações, como é exemplo a China, um planeamento a longo prazo cada vez mais alternativo e cativante à cegueira egocêntrica da Europa.

Mais do que um escrutínio à política italiana estas eleições são um escrutínio à Europa enquanto polo político agregador de Nações livres. A Itália é reflexo das debilidades comuns que vivenciamos no seio da nossa União. Se é verdade que a Europa continua a braços com uma crise económico-financeira de difícil resolução não é menos verdade que se vê ao mesmo tempo confrontada com uma crise política, que incide sobre a segurança e os anseios das gentes do seu território, mas fundamentalmente do seu modo de organização social e de valores que todos assumimos ao longo da sua construção.

Estas duas diferentes crises não podem ser dissociadas dos efeitos psicológicos que ambas incutem na generalidade dos povos europeus e as consequências que esses efeitos podem traduzir no plano do aprofundamento do nosso bloco político. Se, com a raríssima exceção da decisão de saída do Reino Unido – mas que em todo o caso não era membro integrante da união monetária – a resistência à mudança de paradigma monetário organizativo é ainda uma constante para a generalidade dos cidadãos europeus fruto sobretudo da incerteza que gera a um conjunto de fatores conexos de incidência real na vida de cada um de nós, o mesmo provavelmente já não se afirmará, com absoluta certeza, no que respeita à incapacidade visível de falta de resposta ao crescente problema de insegurança transnacional é à incapacidade de ultrapassar as barreiras de concretização de uma União mais justa e mais igual para os povos que a integram. Os tempos difíceis continuam e as perspetivas de mudança real continuam igualmente. Mas como miragem.