Duas das mais importantes testemunhas do chamado caso Fizz foram ontem ao Campus da Justiça. Cândida Almeida, antiga diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, para continuar o depoimento que começou na última sessão da semana passada e Vítor Magalhães, procurador do mesmo departamento, esteve durante toda a manhã a ser ouvido.
O dia começou com o depoimento do magistrado que em 2011 viajou a Angola com Orlando Figueira – antigo procurador acusado de se deixar corromper por Manuel Vicente, ex-vice-presidente daquele país.
Vítor Magalhães, testemunha arrolada pela acusação e pela defesa, disse ao coletivo que na viagem nunca se apercebeu de qualquer contacto entre o colega e o banqueiro Carlos Silva – que aparece cada vez mais como uma peça central neste caso. Isto porque Figueira afirma que foi o presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do Millenium BCP a contratá-lo quando saiu do DCIAP, em 2012, após vários encontros, um dos quais em Luanda. E a sua contratação pela empresa Primagest é precisamente um dos alegados subornos invocados pelo MP.
A testemunha ressalvou porém que na altura nem sabia quem era o banqueiro, abrindo uma margem para não se recordar de algum detalhe que Orlando Figueira lhe tenha contado e que desse conta de tal encontro.
Sobre o dossiê que o colega levou para aquele país relativo a investigações que visavam a elite angolana, Vítor Magalhães veio reforçar a posição de Cândida Almeida e dizer que não sabia de nada, contrariando a tese de Orlando Figueira – que diz que o que fez foi a pedido da hierarquia.
Para Luanda, confirmou Vítor Magalhães, viajou também Paulo Blanco – o advogado que representou o Estado angolano em vários processos – e a sua mulher e sócia. Sobre Blanco, a testemunha disse ter desenvolvido uma relação de cordialidade e negou que Blanco andasse sem regras dentro dos corredores do DCIAP: “Quando vinha ter comigo [no âmbito de uma investigação a um terrorista que foi detido na Portela e em que Blanco assumia a defesa da companhia aérea TAG] vinha com um papelinho do segurança para eu assinar, nunca detetei qualquer atitude mais abusadora. Eu assinava no fim para que entregasse”.
Também com Orlando Figueira Vítor Magalhães disse ter uma relação de cordialidade, que não chegava a ser de amizade.
Inquéritos para arquivar
A instância do advogado de Paulo Blanco foi confrontado com a versão da acusação, o procurador do DCIAP arrolado como testemunha disse não ter informações sobre qualquer acordo entre Orlando Figueira, Paulo Blanco e Manuel Vicente, referindo que Orlando Figueira sempre lhe contou que a razão da sua saída era a falta de condições dos magistrados após os cortes salariais durante o executivo de José Sócrates.
Mas Vítor Magalhães falou ainda das dificuldades de Orlando Figueira e de qualquer outro magistrado em investigar crimes económicos como o branqueamento de capitais. “Há dificuldade de investigar crimes de branqueamento de capitais, dada a dependência de outros países, a maioria era para arquivar”, rematou.
Proença passou a ir ao DCIAP
Após Orlando Figueira ter saído do DCIAP, grande parte dos seus casos de Angola foram distribuídos, pela então diretora do departamento, ao procurador Paulo Gonçalves.
Sem saber porquê ou a que propósito, Vítor Magalhães disse ter visto no DCIAP o advogado Daniel Proença de Carvalho, que representa Carlos Silva, mais do que uma vez para reuniões com o procurador Paulo Gonçalves.
Já sobre o papel de Paulo Blanco na intermediação entre as autoridades dos dois países, Vítor Magalhães garante que Paulo Blanco era mais do que um advogado para o Estado angolano: “Paulo Blanco, não era visto por Angola apenas como um advogado, assumia quase um papel diplomático”.
Uma versão que vem confirmar o que Orlando Figueira e Paulo Blanco têm dito, referindo que muitas vezes até fazia chegar cartas rogatórias ao antigo PGR angolano.
“Cartões também eu os entregava”
ntem, Orlando Figueira juntou ao processo os cartões de visita oficiais do DCIAP que entregou em Angola a diversas pessoas e que segundo a acusação o fez com o intuito de se promover.
Questionado pela defesa de Figueira sobre se tinha conhecimento de que Figueira andasse a distribuir cartões de forma menos ética, Vítor Magalhães desvalorizou: “Isso de entregar cartões, eu também os entregava”.
Cândida Almeida não muda nem “uma vírgula”
Desde que a antiga diretora do DCIAP começou a ser ouvida foram várias as contradições que surgiram em relação às teses apresentadas pelos arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco.
Três dessas divergências evidenciaram-se e levaram o coletivo de juízes a aceitar que fosse feita ontem uma acareação – confronto das versões – depois de a mesma ter sido proposta pela defesa de Figueira.
A primeira discordância foi sobre o número de reuniões em Lisboa em que estiveram presentes o Procurador-Geral da República de Angola, João Maria de Sousa, a antiga diretora do DCIAP, Orlando Figueira e Paulo Blanco. Estes dois últimos, arguidos no caso Fizz, defenderam sempre que foram vários os encontros, enquanto que Cândida Almeida disse apenas lembrar-se de um. Outro tema que tem mais do que uma versão é o do dossiê que Orlando Figueira levou para Angola em 2011 e que diz ter sido a pedido de Cândida Almeida, algo que a própria desmentiu. Por fim, também não batia certo a afirmação dos arguidos de que o inquérito que visava Manuel Vicente pela compra de um apartamento no Estoril Sol terá sido considerado pelo DCIAP um assunto de Estado.
O coletivo de juízes aceitou a acareação, mesmo com a oposição do MP e depois de os arguidos terem dado de novo a sua versão, a antiga diretora do DCIAP foi perentória: “Mantenho as minhas declarações integralmente e sem tirar uma vírgula”.
O dossiê extraviado que afinal não o foi
Na última sessão a antiga procuradora do DCIAP tinha dito que o seu dossiê de acompanhamento da investigação ao apartamento de Manuel Vicente no Estoril Sol teria sido extraviado na sequência da mudança de instalações daquele departamento, em 2015.
Entretanto, o MP tinha juntado um requerimento ao processo no qual referia que a antiga diretora do DCIAP tinha cometido um lapso, uma vez que o dossiê não tinha desaparecido.
Ontem, Cândida Almeida esclareceu que caso tenha cometido um erro, foi com base em informações que recebeu de uma das procuradoras que conduziram a Operação Fizz – Inês Bonina.