As redes sociais são feitas por empresas privadas. Se fossem redes públicas de interação social, estariam a atentar contra a democracia; assim, são apenas ferramentas de empresas privadas para gerar lucro para os seus acionistas. O seu objetivo é ganhar dinheiro com a dependência, mesmo que, tal como os dealers, disfarcem o verdadeiro fim do seu negócio.
O Facebook, primeiro, criou a droga (de que eu também sou viciado, confesso), distribuiu-a gratuitamente com o propósito de construir um mercado com o maior número de pessoas; agora retira os dividendos desse vício.
Se a rede social criada por Mark Zuckerberg fosse um espaço público de interação social, o seu comportamento reger-se-ia pela Constituição e pelas leis. Como o Facebook é uma empresa que criou um serviço, responde pelas leis comerciais, não precisa de ser democraticamente equidistante, E, sobretudo, mesmo que dê a ilusão disso, não construiu um mundo virtual livre para a interação humana. Não é uma organização de beneficência, é uma empresa ávida de lucrar com uma fórmula de negócio brilhante, escondida num algoritmo informático.
O Facebook é um algoritmo que pretende ditar quem somos, limitar-nos a xis características e contentar-nos num mundo interativo o menos conflituoso possível (os conflitos não são bons para o negócio) onde as pessoas que gostam do amarelo, de ver filmes sobre o amarelo, de ouvir músicas inspiradas no amarelo podem viver felizes para sempre falando do amarelo. Pelo meio, a rede vai-nos vendendo todo o amarelo possível em anúncios perfeitamente direcionados.
O que o Facebook – ou o seu algoritmo Big Brother que sabe o que somos, o que queremos, aquilo a que aspiramos através dos interesses manifestados em algum ponto – pretende é fechar-nos numa redoma confortável de cor amarela e evitar-nos o desconforto de ver outras cores ou ouvir pessoas que não gostam mesmo nada do amarelo.
Como se o ser humano não pudesse, não devesse, não existisse para ser um poço de contradições, o algoritmo transforma-nos numa coleção de sinais e alimenta (e alimenta-se) essa coleção de sinais.
A decisão tomada pelo jornal “Folha de São Paulo” na semana passada de deixar de publicar no Facebook é, neste mundo das interações sociais por via digital, uma decisão corajosa, mas necessária, também, para a sobrevivência dos jornais, do jornalismo, das opiniões contraditórias, da democracia e do ser humano enquanto entidade complexa e contraditória.
Se temos tantas cores, por que razão nos teríamos de contentar só com o amarelo? Se temos a nossa opinião, por que razão teremos de só ler ou ouvir a opinião daqueles que pensam como nós? Porque não ouvir o outro lado? Saber o que pensam e como argumentam os adoradores do vermelho?
Ter opinião implica saber defender essa opinião, conseguir os melhores argumentos, saber como montar um discurso e saber como desmontar o do outro.
Quando, nos anos 1990, começámos a aventurar-nos no mundo da internet, aquilo que nos diziam é que se tratava de um espaço de liberdade, sem os condicionalismos governamentais e muitas das restrições do mundo real onde nos movemos. Passadas duas décadas, a internet está a tornar-se um espaço pejado de condicionalismos, e cada vez menos de liberdade. Um mundo onde uma pesquisa no Google se torna menos um mergulho num arquivo vivo de conhecimento para se tornar uma dor de cabeça, cerceados por língua, espaço geográfico, pretensos gostos, pesquisas anteriores, em suma, por um emaranhado que transforma a rede numa rede que nos aprisiona num mundo pré-concebido que enche de escolhos o caminho para o conhecimento novo.
No extremo, o algoritmo deixa-nos presos num mundo limitado pelos nossos conhecimentos, impedidos de ir mais além. Onde o algoritmo se transforma num “algozritmo”.
A ação do “Folha de São Paulo” é um sinal de que se pode reagir à tirania das redes sociais e procurar sobreviver no intento. É certo que o jornal brasileiro tomou essa decisão porque a nova política imposta pelo Facebook, supostamente para diminuir as fake news, privilegia as interações pessoais em detrimento da relação com as empresas, mesmo as jornalísticas. Mas não é menos certo que o tráfego gerado pelo Facebook ainda é importante para qualquer meio perder essa forma de atrair leitores.
Sendo um pequeno passo, pode ser o sinal inspirador para que todos os órgãos de comunicação social com presença na internet façam pela sua vida e se libertem das amarras das redes sociais. Aquilo que hoje parece uma forma fácil de chegar aos leitores pode vir a transformar-se na corda com que todos nós, jornais e jornalistas, nos enforcaremos quando o Facebook, Twitter (que anunciou os primeiros lucros da sua existência) e quejandos se transformarem em centrais de notícias.