O preocupante estado das Forças Armadas


O protesto das cúpulas das Forças Armadas tem tanto de significativo como de simbólico. Os desafios que se apresentam a todos os níveis colocam a Defesa no centro da política externa


O protesto do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas e dos chefes militares dos seus três principais ramos não pode ser tratado como uma questão menor. Trata-se de uma questão de Estado, papel que Portugal desempenha no mundo como produtor ativo de paz, e do alcance que a Defesa Nacional assume num contexto mundial globalizado e interdependente, hoje de uma amplitude muito alargada, considerando o compromisso de Portugal com o multilateralismo evidenciado no âmbito das Nações Unidas à NATO, como pilar da segurança coletiva europeia e mundial, à CPLP como agregador de laços de solidariedade e comunidades de paz e com a União Europeia como ator imprescindível de integração e segurança regional e mundial.

É dentro desta multiplicidade de conceitos, e de áreas de atuação, se quisermos, que as Forças Armadas ocupam, com relevo, uma posição institucional estruturante com uma notável capacidade de concretização dos diversos compromissos internacionais assumidos.

Sendo certo que a caracterização constitucional da Defesa Nacional se manifesta como premissa essencial, ou até mesmo uma das causas existenciais do Estado, cujo destino se dirige na garantia da soberania do Estado constitucional e da sua segurança externa, o alcance do entendimento sobre a sua missão subsume-se no Conceito Estratégico de Defesa Nacional como premissa estruturante da politica de defesa e, igualmente, com a sua Lei de Programação Militar (LPM), cuja conceção e permanente revisão, a próxima necessariamente este ano, não é apenas um instrumento trivial. Antes pelo contrário, numa sociedade multicultural e sobrecarregada de múltiplas influências externas, numa sociedade economicamente vulnerável – como é caso da sociedade portuguesa – a sua definição, bem como de um Conceito Estratégico de Defesa atual e dinâmico, torna-se uma ferramenta imprescindível de auxílio às respostas do Estado às emergentes ameaças como consequência dos efeitos da globalização ou, se quisermos, da organização política e económica transnacional que Portugal integra e aprofunda.

Ora, este protesto tem tanto de significativo como de simbólico. Não só porque antecipa pressupostos tímidos na revisão da LPM, dir-se-á até contraditórios face a declarações públicas da tutela, como contesta e preocupa a implementação dos compromissos internacionais assumidos sobretudo ao nível do cumprimento dos objetivos NATO, assumidos na Cimeira de Gales, dos objetivos da recente adesão à Cooperação Estruturada Permanente da UE e, acrescendo, das “novas” responsabilidades internas no âmbito da Proteção Civil, em concreto no combate e prevenção de incêndios.

Os desafios europeus, de confronto com um conjunto de neoameaças que extravasam as nossas fronteiras nacionais, que incluem o terror totalitário-jihadista contra o Ocidente, as conquistas do ISIS/DAESH/EI pelo terror no Oriente Médio e África ou os ciberataques em infraestruturas críticas, e outras não menos relevantes preocupações que incluem a instabilidade causada pelos conflitos regionais e os chamados “Estados fracassados”, uma intensíssima crise migratória de refugiados no Mediterrâneo, bem como os perigos decorrentes do crime organizado (armas, drogas e tráfico de seres humanos) bem como as suas ligações com o terrorismo internacional, aliados aos desafios permanentes NATO assentes, quer do ponto de vista da tradição de política externa quer de segurança e defesa, numa lógica de solidariedade institucional transnacional e de respeito pela afirmação de valores que se consubstanciam na Dignidade da Pessoa Humana e que constituem o pilar do nosso ordenamento jurídico interno e aos desafios internos, estes, na realidade, não tão recentes quanto isso, colocam as Forças Armadas e estratégia de Defesa Nacional, na sua ampla latitude, no centro da definição da política externa portuguesa e do papel que Portugal assumiu desempenhar.

2018 deveria ser um ano de afirmação e aprofundamento da participação de Portugal no contexto global de segurança e Defesa. Não apenas por obrigação normativa ou política, mas pela intensa e veloz imposição contextual que decorre no plano internacional e nacional. Este protesto é um alerta grave e mesmo que se afirme que não põe em causa a participação de Portugal nas missões internacionais que lhe cabem sabemos que, na realidade, não é bem assim.

 

Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD.

Docente universitário

Escreve à segunda-feira