Uma bomba-relógio sobre a advocacia


Não faz sentido decretar uma elevação de contribuições em sete pontos percentuais, ainda que diluída por vários anos, e esperar que os destinatários continuem a ter condições para as pagar


A passada sexta-feira ficou marcada por uma impressionante manifestação de advogados em relação à actual exigência de contribuições para a sua caixa de previdência, demonstrando a enorme insatisfação que presentemente existe na classe em relação ao actual regime de contribuições.

Não é de espantar que tal esteja a suceder. A Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados tem mais de 70 anos e representa o esforço contributivo de gerações de advogados. No entanto, foi objecto de uma reforma precipitada e imponderada, através do decreto-lei 119/2015, de 29 de Junho, que não apenas reformulou as formas de cálculo da pensão como também agravou especialmente as contribuições dos advogados. Enquanto, antes deste diploma, os advogados descontavam 17% sobre o escalão que escolhessem, por referência ao salário mínimo, passou-se a prever a elevação dessa percentagem para 19% em 2017, 21% em 2018, 23% em 2019 e 24% nos anos de 2020 e seguintes. Ao mesmo tempo, o salário mínimo foi sendo sucessivamente elevado, transformando estas contribuições num valor insustentável para a maioria dos advogados. A partir do terceiro ano de actividade, qualquer advogado é obrigado a descontar no mínimo pelo valor dos dois salários mínimos, o que significa a lei presumir em 2018 um rendimento mínimo de € 1160, obrigando todos os advogados a descontar pelo menos € 243,60 para a sua caixa de previdência, mesmo nos meses em que não ganhem absolutamente nada. Mas a agravante é ainda se prever para os futuros anos a sucessiva elevação destas contribuições, quer pela subida das percentagens, quer pela sucessiva elevação do salário mínimo.

Logo que vi publicado este diploma, considerei imediatamente que o mesmo iria constituir uma bomba-relógio sobre a advocacia e que até poderia pôr em causa a própria caixa de previdência. Efectivamente, não faz sentido decretar uma elevação de contribuições em sete pontos percentuais, ainda que diluída por vários anos, e esperar que os destinatários continuem a ter condições para as pagar. Neste aspecto, o decreto-lei 119/2015 representa nada menos do que a aplicação à advocacia da célebre proposta de Passos Coelho de subir a TSU dos trabalhadores também em sete pontos percentuais, o que determinou uma revolta geral no país. Na altura foram tantas as manifestações que o Presidente mandou reunir o Conselho de Estado para discutir a questão e Passos Coelho acabou por recuar nessa ideia absurda.

Mas, pelos vistos, a ideia acabou por ser aplicada aos advogados, sendo, a par do fecho dos tribunais do interior, do colapso do Citius e da reforma do processo civil, mais um capítulo da pesada herança deixada por Paula Teixeira da Cruz no seu consulado à frente do Ministério da Justiça. Foi, por isso, inteiramente justificado que os advogados se tenham manifestado, sendo mais que altura de dizerem basta a tantos ataques do poder político à sua profissão.

Toda a gente percebeu que a manutenção deste regime é absolutamente insustentável, sendo por isso imprescindível que o mesmo seja rapidamente alterado. A taxa das contribuições tem de voltar aos 17% e o indexante tem de deixar de ser o salário mínimo para evitar as contínuas elevações das contribuições com a sua subida. É mais que altura de parar o relógio desta bomba que continua a ameaçar os advogados.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira,

sem adopção das regras

do acordo ortográfico de 1990