A insegurança é um problema de polícia?


As delimitações conceptuais da ordem e tranquilidade públicas não são mais as mesmas. E também não são as tradicionais limitações espaciais de intervenção das forças de segurança


A consciencialização de que o exercício dos mais diversos direitos fundamentais apenas se manifesta de forma plena se o Estado prover condições de segurança pessoal não apenas é um fito jusfundamental de mútua dependência, como um valor decisivo da nossa organização coletiva democrática merecedora de expressa abordagem nos diversos institutos jurídicos nacionais e internacionais. A evolução conceptual da segurança, e da segurança interna em particular, assume uma relação de proporcionalidade direta com a própria evolução da sociedade e, de uma forma geral, dos diversos quadros interativos e produtores das mais diversas normas que classificam e caracterizam um mundo em mudança.

As vicissitudes de um conceito de segurança interna, produzido num contexto de afirmação do Estado Social decorrente da II Guerra Mundial, são hoje imensas tornando a sua abordagem e estudo permeável às realidades dinâmicas e situacionais em que nos encontramos. Os efeitos da globalização, da crescente multiculturalidade como pilar transformador das sociedades, das neoameças como o terrorismo ou a criminalidade transnacional organizada, das preocupações ambientais e alimentares, da tecnologia e a sua abertura de portas a um cibercrime, variadas vezes sem rosto, invasivo da privacidade dos cidadãos e dos seus direitos fundamentais ou das intensíssimas crises migratórias, constituem permanentes desafios aos Estados na sua conceção e abordagem “securitária”. Pior, são elementos exuberantes na criação de uma sensação de insegurança social a que apenas Forças e Serviços de Segurança capazes e munidos de meios podem acudir.

As diferenças entre segurança interna e segurança externa são cada vez mais separadas por uma linha ténue face à complexidade e aos efeitos da supressão fronteiriça tradicional conjugada com as sensações de uma criminalidade global, mas de absoluta incidência local. É à luz destes efeitos e das consequências que eles provocam que os paradigmas de Segurança Interna devem ser repensados. As delimitações conceptuais de ordem e tranquilidade públicas não são mais as mesmas. E também não o são as tradicionais limitações espaciais de intervenção das Forças e Serviços de Segurança. Como tal, a insegurança não pode ser vista como um problema exclusivo da atuação policial. Antes pelo contrário. A insegurança é mormente um problema de sociedade e de confronto civilizacional e que apenas pode ser combatido prevenindo causa, reprimindo consequências e, hoje igualmente importante, conjugando esforços e meios.

A compreensão da segurança implica uma tripla conceção inseparável. A de direito fundamental individual, a de garantia para o exercício de outros direitos e liberdades individuais e, não menos importante, o de dever primacial do Estado, porém nada disto se consubstancia, e se determina, na nossa esfera individual e coletiva sem Forças e Serviços de Segurança que desempenhem um papel crucial na prevenção de um quadro dinâmico e alargado de ameaças, capazes, e não menos importante, capacitados a superar certos constrangimentos graves face a essas neoameaças nacionais e internacionais que exigem um evidente reforço da sua capacitação operacional que só assim poderá responder eficaz e eficientemente perante as crescentes exigências de segurança e a defesa dos interesses nacionais.

Os recentes “julgamentos mediáticos” sobre a atuação policial na garantia da nossa segurança coletiva, que levaram até o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do parlamento a afirmar que “há um conjunto de incidentes que se têm de averiguar se são casos isolados e, por isso, não serão motivo de preocupação, ou se há um contágio de uma cultura global que, à sombra da guerra contra o terror, levou ao endurecimento de práticas policiais que, há 20 anos, seriam unanimemente condenadas por toda a Europa”. E disponibilidade para se averiguar a sério as ofensas e agressões às forças de segurança não mereciam igualmente uma avaliação para se averiguar em que condições estas mulheres e homens garantem a nossa tranquilidade e paz coletiva, há?

 

Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário

Escreve à segunda-feira