Como sói ser hábito pela Lusitânia, estamos perdidos no nosso umbigo político, andando em círculos em torno da enésima gafe do Governo, pasmos perante o duelo de titãs que acontece pelo PSD e não deixa margem para imaginar uma alternativa. Variar o ângulo e tentar ver mais longe são hábitos cada vez mais desdenhados pela presente ditadura mediática, quando os partidos políticos seguem caninamente as sucessivas indignações das redes sociais (Portas dixit). Ousemos estender a vista até Itália onde estão agendadas eleições legislativas para 4 de Março.
Não vou maçar o leitor com o detalhe da enésima reforma da legislação eleitoral (o Rosatellum) que, como todas as anteriores, procura reforçar a governabilidade, garantindo uma esperança de vida razoável ao próximo governo. A fazer fé nas sondagens, o resultado das próximas eleições oferecerá um grau de ingovernabilidade que, mesmo para os critérios da península itálica, será excessivo. Três grandes partidos dividirão em partes iguais, em torno do terço dos votos, os resultados, sem possibilidades de coligação entre si. Novidade é a garantia dada por todas as sondagens de que o partido mais votado será o Movimento Cinque Stelle (M5S) a criação mais popular do cómico Beppe Grillo.
Em segundo lugar deverá surgir, ressuscitado, mas provavelmente ineligível em virtude de várias condenações em sede penal, Berlusconi. O bloco de direita deve juntar Forza Italia, a Lega Nord e Fratelli d’Italia e terá o maior número de deputados, mas longe da maioria absoluta.
Em terceiro lugar surgirá o Partito Democratico (PD) liderado por Matteo Renzi e que reúne as sobras da democracia cristã e dos socialistas varridos pela Tangentopoli e os órfãos do Partido Comunista Italiano. Também no bloco de esquerda haverá possibilidades de coligações pós eleitorais com os Radicais, Centristas e outros. Mas já não com a mais recente fronda do PD, os Liberi e Uguali, que reúnem os anti-Renzi, desde logo os predecessores Bersani e D’Alema.
A possibilidade de uma coligação entre esquerda (PD) e direita (Berlusconi) seria algo nunca visto em Itália, onde a “grande coligação” à alemã ou do bloco central à portuguesa não têm tradição. Dado o reduzido apetite pela continuação de governos minoritários ou pelo retomar dos governos tecnocráticos à la Monti há quem preveja a repetição das eleições em Junho.
A natureza anárquico-contestarária do M5S inviabilizaria a coligação com o PD e certamente com Berlusconi, o directo responsável pela defenestração de Beppe Grillo da RAI, fenómeno que deu origem à reinvenção do cómico como político (assim desmentindo Marx e invertendo a ordem dos qualificativos na repetição da história). Grillo surfou a onda bloguística e, com ajuda das novas tecnologias, transformou os internautas em militantes. A base ideológica do partido de protesto assenta na crítica à democracia representativa, sendo suposto o M5S praticar a felicidade da democracia directa com base no referendo permanente por via electrónica. Almas mais desapiedadas e já escorraçadas do M5S (por via de votação popular electrónica…) garantem que as votações são objecto de manipulação por parte da direcção do M5S. Beppe Grillo, prudentemente, avançou com um candidato para estas eleições, escolhido numas eleições primárias, evitando assim queimar-se no choque com a realidade. Luigi di Maio, nado em 1986, é o candidato do M5S a Primeiro Ministro e tem-se notabilizado pelas dificuldades no uso correcto do modo conjuntivo. Esta insuficiência, ao contrário do que acontece em Portugal, é considerada como fortemente limitadora de uma carreira política.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990