Em 2017 morreram nas estradas portuguesas cerca de dez pessoas por semana. Os dados para já divulgados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) relativos ao ano que passou ainda são provisórios, mas já se sabe que até 31 de dezembro morreram 509 pessoas. À exceção de uma ligeira subida no número de mortes em 2010, é a primeira vez em 20 anos que o número de vítimas mortais nas estradas aumenta de forma considerável face ao ano anterior. No ano passado perderam a vida nas estradas nacionais, dentro e fora das localidades, mais 64 pessoas do que em 2016 – uma subida de 14%.
O balanço é negro em toda a linha. Em 2017, para além de mais vítimas mortais, houve mais acidentes, mais feridos graves e mais feridos ligeiros. E os aumentos não foram pequenos. Se entre 1 de janeiro e 21 de dezembro de 2016 tinha havido 127 210 acidentes, no mesmo período de 2017 houve mais 2947 ocorrências (130 157 no total). Quanto às vítimas, em 2017 houve mais 79 feridos graves (2181, quando em 2016 tinham sido 2102) e mais 2470 feridos ligeiros (41 591 no total, contra 38 100 em 2016).
Analisando especificamente cada distrito, a tendência que tem vindo a verificar-se nos últimos anos não muda: Lisboa e Porto continuam a ser as cidades com mais sinistralidade rodoviária – e, consequentemente, com mais vítimas. Braga, Faro, Aveiro e Setúbal também ocupam lugares cimeiros. Já Portalegre destaca-se por bons motivos: tal como acontecera em 2015 e 2016, em 2017 voltou a ser a cidade com menos acidentes registados. Ainda assim, o número de vítimas mortais parece ter aumentado de forma mais expressiva em Setúbal, onde houve um aumento de 55% nas vítimas mortais. Segue-se o Porto, onde o número de mortes nas estradas subiu 47%. Sendo distritos com menos vítimas, o balanço em Vila Real e Viana do Castelo também se destaca pela negativa: o número de vítimas mortais praticamente duplicou, para 15 mortes em cada um destes distritos.
Os dados divulgados ontem pela ANSR não permitem perceber em detalhe as circunstâncias dos acidentes que causaram vítimas mortais, mas ao longo do ano houve algumas tendências já apontadas pelas autoridades, como o aumento do número de acidentes com motas. Nos últimos dias do ano, ainda assim, o balanço foi mais positivo do que em períodos festivos anteriores. De acordo com os dados da GNR, na operação de fim de ano houve menos acidentes, menos mortos e menos feridos graves e ligeiros do que em 2016.
Os principais problemas
Em dezembro, na apresentação das campanhas de prevenção e segurança rodoviária de Natal e Ano Novo da ANSR e da GNR e PSP, Eduardo Cabrita, o ministro da Administração Interna, identificou os principais fatores que durante o ano de 2017 marcaram a sinistralidade rodoviária. Atropelamentos nas áreas urbanas, acidentes com motas e o consumo de álcool foram apontados pelo ministro como “áreas de risco” em relação às quais seria necessário, já no início de 2018, definir uma estratégia para inverter os números. E o parlamento quer explicações. Ontem foi aprovada por unanimidade uma audição de Cabrita na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas para analisar os dados de 2017.
Apesar de muitos indicadores ainda não estarem disponíveis, já é possível constatar que os atropelamentos marcaram pela negativa o ano que passou.
No mais recente relatório detalhado publicado no site da ANSR, referente a outubro, lê-se que entre janeiro e outubro de 2017 se registaram, dentro das localidades, 4097 acidentes resultantes em atropelamento – e que provocaram 46 vítimas mortais, 302 feridos graves e 4061 feridos ligeiros. Este tipo de ocorrência não passava a barreira dos 4 mil desde 2011, quando se tinham registado 4247 atropelamentos. Mas já em 2016 os valores estão perigosamente perto dos 4 mil, com registo de 3989 acidentes que resultaram em atropelamento.
Quanto aos acidentes envolvendo motas, apesar de não estarem disponíveis dados sobre esse indicador, o número de vítimas ajuda a ter uma ideia do problema. Entre janeiro e outubro, os acidentes com motas provocaram 110 vítimas mortais, 509 feridos graves e 7 mil feridos ligeiros. No mesmo período de 2016, os acidentes com motas tinham tirado a vida a 69 pessoas, provocando ferimentos graves a 437 pessoas e ligeiros a 6042. Regista-se assim um aumento de 60% no número de vítimas mortais em acidentes com motociclos.
A relação entre álcool e acidentes rodoviários já não é nova, mas continua a ser problemática. A Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), a propósito do lançamento da campanha “Aprecie a condução sem álcool”, divulgou em dezembro dados do Instituto de Medicina Legal que revelam que 57,2% dos condutores que morreram ao volante entre 2010 e 2015 estavam alcoolizados – 33,2% tinham uma taxa de álcool superior a 0,5g/l e 24% ultrapassava os 1,2 g/l, uma taxa já considerada crime e punível com pena de prisão.
Já um estudo feito pela PRP com a GNR e a PSP, também publicado em dezembro e com dados provenientes de 5392 observações feitas em 2013, veio alertar ainda mais para o problema ao constatar que 10,4% dos condutores em Portugal conduzem sob o efeito de álcool, 1,8% dos quais acima do limite legalmente permitido. E são os homens quem bebe mais. Isto apesar de, num outro estudo da ESRA – European Survey of Road Users’ Attitudes, realizado em 2015, mais de 90% dos portugueses concordarem que é arriscado conduzir sob o efeito de álcool.
A nível europeu, o caminho inclina-se para a tolerância zero. Em dezembro, o Parlamento Europeu enviou uma proposta de resolução à Comissão Europeia para que fossem analisadas as vantagens de “harmonizar o limite de concentração do álcool em 0,0% para os novos condutores durante os seus dois primeiros anos e para os condutores profissionais”.
Cartas por pontos eficaz?
Quando foi lançado, a 1 de junho de 2016, o sistema da Carta Por Pontos foi anunciado como uma medida para “promover a adoção de comportamentos mais seguros e responsáveis na condução”, lê-se no site da ANSR.
Contudo, mais de um ano e meio depois, o sistema parece não estar a funcionar como devia. Manuel João Ramos, o presidente da Associação de Cidadãos Automobilizados, descrevia em dezembro à Renascença a Carta Por Pontos como “uma anedota”, comparando a realidade portuguesa com a espanhola. “Enquanto em Espanha há mil cassações de carta por ano, até agora, desde que a carta por pontos entrou em vigor, tivemos até novembro duas cassações de carta”, lamentava.
Ao i, o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Miguel Trigoso, denuncia que o sistema não está a funcionar. “Ao fim de um ano [de o sistema estar em vigor], li declarações feitas na Assembleia da República segundo as quais tinha havido 15 mil e tal pessoas que tinham perdido pontos. No entanto, o número de autos levantados por infrações que deviam ter levado à perda de pontos terá sido entre 30 e 40 mil, no mínimo. Se só houve 15 mil e tal pessoas a perder pontos, eu pergunto: o que é feito das outras?”
Trigoso aponta um “claro atraso” nos processos, resultante do novo sistema, “o que é muito mau, porque é importante que um processo levantado tenha efeitos rápidos, uma vez que é a forma de fazer pressão em termos comportamentais”, defende o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa. “Neste momento, o que há é um sentimento de impunidade.”
Maiores pontos negros em Portugal