As palavras que marcam 2017, da tragédia dos incêndios aos afetos de Marcelo

As palavras que marcam 2017, da tragédia dos incêndios aos afetos de Marcelo


A Porto Editora está a dinamizar a nona edição da eleição da palavra mais marcante do ano. Para o politólogo António Costa Pinto, a lista de finalistas reflete o mediatismo dos acontecimentos ao longo do ano


Afeto, cativação, crescimento, desertificação, floresta, gentrificação, incêndios, independentistas, peregrino e vencedor. Estas são as dez palavras finalistas da iniciativa Palavra do Ano, um concurso da Porto Editora que assinala este ano a nona edição e elege, com a ajuda dos internautas, a expressão que mais marcou o ano que termina. É possível votar até 31 de dezembro e, até agora, “incêndios”, “afetos” e “floresta” são as palavras que reúnem maior consenso. Se há acontecimentos incontornáveis, a identificação em torno de algumas palavras pode também refletir o quanto alguns temas dominaram a opinião pública.

Esta é a visão de António Costa Pinto, politólogo do ISCTE-IUL de Lisboa, que sublinha que as pessoas serão levadas a escolher as palavras que foram mais utilizadas do ponto de vista social, económico e política, incluindo a nível internacional, o que explica finalistas como independentistas. “Este modelo de eleição aponta sobretudo para os acontecimentos mais marcantes, mas também pela forma como os grandes meios de comunicação social repetem este tipo de palavras”, complementa o investigador.

Já André Freire, professor de Ciência Política no ISCTE-IUL, faz a ressalva de que um concurso desta natureza acaba por não refletir o sentimento do país, dado não garantir uma amostra de participantes representativa da população mas sim uma base de pessoas que se “autoselecionam”.

Palavra a palavra Em comunicado de imprensa, a Porto Editora justificou a escolha das palavras que integram a lista de finalistas. “Incêndios”, que lidera a tabela, foi selecionada em consequência dos “sucessivos incêndios que se fizeram sentir durante este ano em todo o país; 2017 foi um dos anos mais trágicos de sempre, pela enorme quantidade de vítimas e pela dimensão à área atingida”. Opinião partilhada por Costa Pinto, que os considera acontecimentos “efetivamente marcantes de 2017”, avisando, contudo, que “se obviamente isto [eleição da Palavra do Ano] fosse feito daqui a seis meses, não seria assim”.

Se os incêndios ocuparam grande parte do debate nos últimos meses, Costa Pinto refere que o “debate político em torno da floresta” esteve “sempre em anexo aos incêndios”. É aqui que a palavra “floresta” entra como uma das mais marcantes do ano. “A enorme quantidade de área ardida demonstrou a necessidade de adotar novas estratégias para o ordenamento florestal em Portugal”, refere igualmente a Porto Editora.

Para o politólogo, estas duas palavras são as únicas que possuem um caráter negativo se se olhar para o ano que agora termina. “O destaque a fatores negativos remete para palavras como ‘incêndios’ e ‘florestas’, as restantes têm significados neutros”, que, porventura, poderão depender da subjetividade de cada um.

Também relacionada com incêndios e florestas encontra-se a palavra “desertificação”, um termo que ganhou importância política e mediática com os incêndios que assolaram o interior e o consequente debate da reforma da floresta.

Entre as palavras com um cariz mais político destacam-se “afeto”, “cativação” crescimento” e “gentrificação”.

À primeira vista, “afeto” remete imediatamente para a atuação política e social do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. “Obviamente que se refere à repetição ad nauseum da política dos afetos de Marcelo Rebelo de Sousa”, disse Costa Pinto. Opinião também partilhada por Freire, que assinala que esta é uma ideia que Marcelo tem “esgrimido e tentado sublinhar, que é um presidente dos afetos e das relações humanas e menos da ação política. Tem o seu quê de humanidade mas também o seu quê de vazio político”. E deixa um reparo: “Em termos políticos, isso não significa nada”, apesar de ser “uma pessoa empática e que gere empatia”. Ainda assim, Marcelo tem uma taxa de aprovação popular histórica.

Já “crescimento” é uma palavra que “há bastante tempo não era usada para definir o comportamento da economia portuguesa, facto que foi notório ao longo do ano”, considera a promotora da iniciativa. “Foi a marca mais importante do ano económico de 2017”, disse Costa Pinto, referindo, ainda, que “défice” também poderia ser uma das palavras a integrar a lista, numa referência ao facto de o governo de António Costa estar a conseguir cumprir com as metas orçamentais europeias. Freire acrescenta também que “redução” ou “dívida” poderiam ser outras palavras.

A palavra “cativação” entrou nos últimos anos pela casa adentro de muitas milhares de pessoas, quando, antes, era, porventura, desconhecida da maioria. “Cativação já é uma palavra mais política, mas é muito sofisticada. Tem a ver com a gestão do orçamento”, explica Freire. Gestão que tem demonstrado ser algo polémica tanto à esquerda como à direita, tornando-se alvo de inúmeras críticas, independentemente do teor e das suas motivações. “Com o objetivo de manter o défice abaixo dos valores definidos com a União Europeia, cativação tornou-se numa palavra muito visível – algo controversa -, na estratégia orçamental do governo”, explicou a Porto Editora.

Uma outra palavra com um elevado cariz social é “gentrificação”, termo que entrou gradualmente no léxico nacional com a crescente pressão do turismo e aumento das rendas, obrigando milhares de pessoas a abandonarem o centro das cidades. “O aumento do turismo tem posto em evidência novos desafios e novas realidades, como a gentrificação, que se faz sentir nas principais cidades do país”, explica a editora no site da iniciativa. É uma realidade que tem afetado sobretudo Lisboa e Porto.

O histórico 13 de maio Entre as inúmeras vitórias que representantes – diretos ou indiretos – do país conquistaram além fronteiras, a mais significativa foi a de Salvador Sobral no Festival Eurovisão, daí “vencedor” se encontrar na lista. “A palavra ‘vencedor’ de certeza que não se refere a Passos Coelho”, ironiza Costa Pinto. “Pela primeira vez, e de forma surpreendente, Portugal foi o país vencedor do Festival Eurovisão da Canção, sendo de sublinhar o entusiasmo e o carinho que o cantor Salvador Sobral despertou junto dos portugueses”, refere a Porto Editora.

Também não faltou espaço na lista para a religião. “Peregrino” refere-se à visita do Papa Francisco em maio e à celebração do centenário das aparições de Fátima, quando milhares de pessoas caminharam até ao local para cumprirem as suas promessas. Por coincidência, o que tornou histórico o 13 de maio de 2017, no mesmo dia em que Salvador Sobral viria a vencer a competição musical.

Por fim, os internautas não se centraram apenas na realidade nacional, mas também na da vizinha Espanha, onde a tensão política na Catalunha entre o governo regional e Madrid ganhou protagonismo nos últimos meses. “A pretensão de independência da região espanhola da Catalunha tem sido seguida com particular atenção pelos portugueses”, lê-se no comunicado.

Em 2013, os fogos também dominaram a escolha Se a palavra vencedora só vai ser anunciada no início de janeiro, os últimos anos apresentam um curto resumo do que tem sido vivido e também comentado no país.

Em 2009, venceu “esmiuçar”, numa alusão a uma rubrica dos Gato Fedorento que esmiuçou as legislativas.

Em 2010, venceu “vuvuzela”, o instrumento barulhento do Mundial. Em 2011, a nuvem da economia ensombrou o país e a palavra eleita foi “austeridade”, seguindo-se “entroikado” em 2012.

Em 2013, a palavra vencedora foi “bombeiro”, depois de fortes incêndios terem assolado o país. Em 2014, o destaque foi para “corrupção” no seguimento da implosão do Banco Espírito Santo ou da detenção de José Sócrates, que este ano conheceu a acusação do Ministério Público.

Já nos últimos dois anos, foram eleitas “refugiado” e “geringonça”, respetivamente. Uma lista que, independente dos resultados finais, será sempre uma ajuda à memória coletiva.