O título desta crónica, tradução do francês “Les chênes qu’on abat” corresponde ao verso de um poema de Victor Hugo, À Théophile Gautier, depois usado como título de um livro de André Malraux. O verso diz o seguinte: “Passons; car c’est la loi; nul ne peut s’y soustraire/ Tout penche; et ce grand siècle avec tous ses rayons/ Entre en cette ombre immense où pâles nous fuyons/ Oh! quel farouche bruit font dans le crépuscule / Les chênes qu’on abat pour le bûcher d’Hercule!” (”Passemos, porque é a lei e ninguém se lhe pode subtrair. Tudo está pendente e este grande século com os seus raios entra nesta sombra por onde palidamente fugimos. Que enorme ruído surge no crepúsculo quando os robles se abatem para a estaca de Hércules”).
Foi destes versos que me lembrei quando vi a atitude do vereador Ricardo Robles a desdizer tudo o que ele próprio e o seu partido tinham dito sobre a taxa de protecção civil de Lisboa. Como se pode ver no seu site, já no mandato anterior o Bloco de Esquerda tinha apresentado uma proposta para anular a taxa de protecção civil (Proposta 001/BE/2015) Posteriormente, após o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade desta taxa, o Bloco de Esquerda propôs novamente, em Maio de 2017, que a mesma fosse anulada (Proposta 001/BE/2017). E ainda há um mês o Bloco de Esquerda apresentou na Assembleia Municipal de Lisboa a Recomendação 002/01 (BE) a propor a suspensão da cobrança desta taxa, referindo que “a referida taxa constitui materialmente um imposto, matéria de reserva de lei e da competência legislativa reservada da Assembleia da República”. Só que agora, na aprovação do orçamento da Câmara, o vereador Ricardo Robles deixou passar a taxa de protecção civil, permitindo com a sua abstenção a Fernando Medina desempatar e manter este imposto encapotado, que há vários anos os lisboetas suportam arbitrariamente sem que a justiça os defenda.
Os eleitores do Bloco de Esquerda provavelmente esperariam que o vereador que elegeram cumprisse o seu programa e acabasse com esta taxa. O vereador Ricardo Robles preferiu, porém, ficar nas boas graças do Presidente da Câmara Fernando Medina a cumprir os seus compromissos eleitorais. E assim lá fugiram os dois à lei e aos raios do século palidamente pela sombra. Com um vereador chamado Ricardo Robles os lisboetas até poderiam acreditar que as propostas do Bloco de Esquerda seriam defendidas na Câmara convictamente e com a força dos carvalhos, resistentes ao vento e às tempestades. Mas afinal as convicções do vereador Ricardo Robles não resistem sequer ao mais leve sopro de Fernando Medina e na primeira oportunidade os robles abatem-se para a estaca de Hércules. Mas ao contrário do poema de Victor Hugo, aqui o Robles abate-se sem qualquer ruído, pois desse vereador apenas se ouviu que o partido é contra a taxa, mas que quer esperar que o Tribunal Constitucional se pronuncie. É melhor esperar deitado.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990