A amiba é um protozoário. Um ser unicelular de vida livre, não se constituindo deste modo como um parasita, sem forma definida e de corpo gelatinoso com nenhuma função especialmente destinada a não ser alimentar-se por um processo a que se dá o nome de fagocitose. A amiba remonta ao período da origem do nosso planeta, podendo viver em meio aquático ou terrestre e até no organismo de outros seres vivos, como o Homem. E aqui reside o busílis da questão.
Não tendo eu nenhum conhecimento científico comprovado neste domínio da biologia, tenho para mim, como mera sensação, que a vivificação da amiba no corpo humano transforma o comportamento humano num comportamento próprio do gelatinoso ser unicelular. Não discernir, viver para o alimento, que pode ser de facto ou psicológico, assumindo um comportamento errante e pouco explicável.
O caso da instituição Raríssimas, cuja função e projeção social não pode ser confundível com as ações pouco esclarecidas e questionáveis da sua direção, fortaleceu a ideia que tenho quanto às amibas e à sua presença no corpo humano. Essencialmente por dois argumentos utilizados. O primeiro relacionado com a questionável ação dos jornalistas ao chamarem investigação à divulgação de imagens gravadas de forma oculta e relacionadas com a vida privada de entes públicos, quando essa ação consubstancia também ela um crime, e, o segundo, com a tentativa inexplicável de se apelar a uma investigação idêntica a quem, da instituição, decidiu avançar com as denúncias e torná-las públicas.
Vamos ao primeiro argumento. Quem tem a ideia de que as imagens gravadas e divulgadas pela TVI sem a devida autorização é um ato ilícito, então tem uma ideia correta. É de facto um ato ilícito criminalmente punível. A questão é que não estamos a discutir a simples divulgação de imagens recolhidas sub-repticiamente sem o necessário consentimento. Estamos a discutir o recurso a um ato ilícito como forma de expor, denunciar e comprovar um outro com dimensão de interesse público na forma e no modo como a instituição, essencialmente sobrevivente e operante com recurso a dinheiros públicos, era gerida. Por consequência evidente, na forma e no modo como os dinheiros públicos eram geridos. Ora, como é evidente aqui prevalece a dimensão de interesse público e o seu conhecimento, pelo que apontar o dedo à TVI e aos seus jornalistas é canhestro e não recolhe aceitação plausível.
O segundo argumento, utilizado com frequência por um titular de cargo público, um deputado em particular, é, então, incompreensível. Incompreensível porque não cabe na cabeça de ninguém que um ser, tendencialmente pluricelular, com responsabilidades públicas assumidas, defenda publicamente que as circunstâncias da denúncia sejam elas próprias alvo de uma investigação para se perceberem os objetivos que lhe subjazem. Não percebendo o ser público, requintado e raro, reconheçamos que o objetivo reside num aspeto essencial e primacial a todos. A mera utilização de recursos públicos.
Este segundo argumento, claro, não é inocente e surge numa tentativa desesperada de esconder um terceiro argumento. A atuação de um ministro, da mesma cor política que o requintado deputado, que por acaso até foi membro dos corpos sociais da instituição até à sua tomada de posse como membro do governo e que a quem não se conhece, pelo menos oficialmente, atuação condizente com as denúncias à instituição de que ele próprio acabou por ter conhecimento já como titular da pasta responsável pelo seu financiamento público. Há perguntas que merecem uma clarificadora resposta. Nestas coisas, que envolvem dinheiros públicos, não chega alguns virem a público pôr as suas próprias mãos no fogo. É preciso sabermos se houve diligências junto do Instituto da Segurança Social para investigar as referidas denúncias, é preciso sabermos se houve diligências junto do Ministério do Trabalho e da Saúde para colaborarem na averiguação dos relatos e é preciso saber qual a razão de os subsídios públicos não terem sido suspensos até uma conclusão cabal. É isto que o raro e requintado ser unicelular, a amiba, não percebe. Mas é isto que qualquer humano, sobretudo com responsabilidades públicas, deveria perceber.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira