Quanto é que lhe vai custar o Brexit?


O Brexit externo, a saída da União Europeia, nunca mais acontece. Mas o Brexit interno ainda vai provocar a demissão da Srª May e a separação de um Reino cada vez menos unido.


Numa negociação o maior bem é o tempo. Quem tiver o tempo a seu favor, quem puder esperar pelo melhor momento, controla o decorrer da negociação. Quem estiver dependente de prazos que correm contra a sua margem de negociação é obrigado a antecipar e melhorar ofertas negociais que poderiam ocorrer num tempo mais favorável. No processo do Brexit a inclemência do tempo corre contra a Srª May.

O “pré-acordo” da passada sexta-feira marcou uma derrota em toda a linha: montante da compensação financeira, soft border na Irlanda, reconhecimento dos direitos dos cidadãos da UE no Reino Unido (que são em muito maior número do que os residentes britânicos noutros Estados da UE). E as razões da derrota em cada um destes pontos trazem a semente da desunião do Reino. Uma ilha da Irlanda sem uma fronteira entre a UE (a República da Irlanda) e o Reino Unido (a Irlanda do Norte) servirá como montra permanente das virtudes da UE junto da ilha britânica e de factor de promoção da reunificação da Irlanda. Será o equivalente contemporâneo e ao vivo das emissões televisivas da RFA na DDR…tutelado pelos Unionistas da Irlanda do Norte, de cuja boa vontade em Westminster depende a continuidade do Governo da Srª May. Já o valor da compensação financeira, quase três vezes mais do que a proposta feita por May é, como não se têm cansado de repetir os Brexiteers, uma derrota, no melhor registo John Major: point, match and game. A garantia dos direitos dos cidadãos da UE que se encontrem no RU implica a possibilidade de aumento da imigração (por via da legalização e do reagrupamento familiar), o oposto do desejado pelos que votaram o Brexit.

À derrota externa da passada semana, a Srª May somou esta semana uma derrota interna quando o Parlamento britânico impôs a discussão e a votação do acordo que venha a formalizar o Brexit.

O tictac do tempo da negociação, na contagem decrescente para Março de 2019, deixa espaço para o pior cenário possível: um não acordo sobre o Brexit que obriga ao controlo apertado do movimento de pessoas e bens na fronteira, à supressão de serviços, sejam financeiros ou de transportes aéreos, ao caos organizado com rigor e método.

Um não acordo sobre o Brexit pode também resultar da não ratificação por um ou por vários dos restantes 27 Estados-membros da convenção internacional que venha a formalizar o divórcio. A história das alterações aos Tratados da UE mostra o quão fácil é tomar como refém um procedimento de vinculação internacional. A política interna de um ou de vários Estados-membros poderá contaminar aquele procedimento, seja porque o Governo que a promove atravessa uma crise de popularidade, seja porque um Governo, possuído pelo fervor nacionalista, quer imitar o Brexit ou fazer depender o seu voto de uma qualquer reivindicação (fundos europeus, fluxos migratórios, reunificação do Chipre, …).

O maior problema da Srª May continuará a estar não do lado dos restantes 27 Estados-membros mas na sustentabilidade da posição britânica, na possibilidade de construir uma posição nacional que seja apoiada pela maioria do Cabinet, de Westminster e, claro, do eleitorado.

O Brexit custará caro à UE, muito mais caro aos britânicos mas também pesará no bolso dos portugueses, a começar, como se viu já nos últimos meses, pelo sector turístico. Felizmente a contagem decrescente para o segundo referendo ao Brexit já começou.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990