Ontem, podia-se sentir um certo alívio em Londres e nos londrinos, alguns sorrisos e vontade de conversar muito embora fizesse um frio desgraçado com os termómetros a baixar abaixo dos zero graus.
Depois de muito drama, a PM trouxe de Bruxelas o que o país tanto precisava de ouvir— uma catarse, mesmo a tempo do Natal. Conseguira-se o bom termo da primeira fase das negociações do Brexit com a UE.
Theresa May recebeu os aplausos até de quem mais frente lhe faz dentro do partido e vai por agora continuar no seu posto, sem que a tentem derrubar, porque de resto é crucial que o país goze de estabilidade política ao longo da tarefa hercúlea que tem pela frente.
Isto pode ter sido uma vitória pirríca que comporta mais de cosmética do que outra coisa, gastaram-se seis meses para no final se aquiescer ao inevitável custo do divórcio exigido por Bruxelas em termos de dinheiro, direitos dos cidadãos europeus e na garantia de uma fronteira não rígida entre a Irlanda do Norte e a república da Irlanda (embora esta última questão suscite enormes dúvidas de como vai e se vai ser de todo implementada).
Mas pense-se apenas na situação em que estaríamos hoje se Theresa May não tivesse fechado ontem esta fase, mesmo cima do Natal, e na debandada de empresas e postos de trabalhos que não ocorreria, sabendo-se como se sabe que a próxima cimeira só irá ocorrer em Março de 2018.
O outro pronto que não é de somenos importância é a moderação e vontade de chegar a um compromisso que ontem foram evidenciadas por ambas as partes litigantes.
Escapámos ao cenário terrífico que seria a vitória da intransigência.
E recebemos o presente natalício que representa a maior probabilidade de que um período de transição de dois anos se aplicará ao RU, após Março de 2019, o que a concretizar-se colocará o país apenas em Março de 2021 fora do mercado único e da união aduaneira. Este é um balão de oxigénio importante para a economia e travará a imediata deserção de companhias e bancos para os quais se revela vital o acesso ao mercado único.
Para já, não vão começar a fazer malas, a despedir gente e a enviar mais empregados para Frankfurt, Dublin ou Paris.
E agora, sim, começa a fase espinhosa, crivada de divisões dentro do próprio governo conservador, com o ministro das finanças a liderar o grupo que pretende maximizar o acesso ao mercado único e a maior proximidade e alinhamento regulamentar com os países da UE. E os Brexiteers de linha dura que pretendem ser assegurados de que o RU retoma o controlo sobre a sua fronteira e não se submete a leis ou tribunais europeus.
Neste contexto é interessante que Michael Gove, Ministro do Ambiente e Brexiteer de linha dura, tenha vindo hoje relembrar o eleitorado do poder que detém nas próximas eleições de aprovar ou rejeitar as negociações finais do Brexit, Gove como outros membros declaram deste modo a sua suspeita de que a PM vergará demasiado a Bruxelas.
De resto, o comportamento da PM dentro do seu próprio partido, escondendo a estratégia que adopta e vai adoptar nas negociações com Bruxelas, denota a falta de confiança que tem nalguns dos colegas.
A PM atravessa duas linhas de fogo, e não se lhe pode senão desejar força e sucesso, a tentar debelar os confrontos que a esperam dentro e fora de casa.
Clara Macedo Cabral, escritora a viver em Londres desde 2005