Um governo de figurantes


Ontem, Pedro Nuno Santos dizia numa entrevista que “a direita não sabe como funciona a economia”. Tem razão. Um governo que contrata cidadãos com vouchers de compras para lhe fazerem perguntas é que sabe muito bem como a “economia” se desenrola


Robert Badinter, constitucionalista francês e responsável pela abolição da pena de morte em França, disse em relação à justiça, com muita razão, que um dos seus males era o “frenesim legislativo. Há uma profunda deterioração da lei. Estamos a passar da democracia representativa para o que é chamado comummente democracia de opinião. Esta última degenerou, nos últimos tempos, na democracia de emoção, particularmente no que à justiça concerne”. As palavras de Badinter apelavam a uma necessidade de refreamento legislativo no setor da justiça, evitando que o sabor dos tempos não fosse confundível com os valores que ela protege, de resto transversais ao tempo e concretizáveis em si mesmos, ou seja, uma condição humana preexistente que à lei apenas compete proteger, acautelar e dignificar. A aplicação deste postulado, dez anos depois de ter sido afirmado, é aplicável, ou mesmo transversal, à totalidade da ação governativa, como pode ser igualmente adaptável aos fundamentos da sua ação em sentido amplo.

Um governo que contrata um serviço para pagar 200 euros a cidadãos para lhe fazerem perguntas, certamente acompanhado do dito sobrescrito com a pergunta já formulada, pois estas coisas não são a brincar, é um travestismo daquilo que constitui a sua função primacial. É mais do que isso. É uma perversidade e uma humilhação dos poderes públicos e dos cidadãos em geral. E é, igualmente, uma manipulação mediática atroz criada para esconder e dissipar uma atuação pobre, escorregadia e comprometedora do nosso futuro coletivo.

Um governo que não consegue assegurar condições de atuação às suas forças de segurança e, consequentemente, às condições da nossa segurança coletiva; um governo que não consegue ter uma Proteção Civil atuante e eficaz porque minou as suas chefias com camaradas partidários com currículos questionáveis, que é negligente na sua atuação e que ainda, passado este tempo, não encontrou forma ou solução de compensação e apoio às vítimas dos incêndios; um governo que nada faz em relação à degradação das refeições escolares, que entra em jogos de palavras em relação às vítimas, algumas delas mortais, da degradação de condições das unidades hospitalares públicas; um governo que mantém o silêncio e a ocultação das condições das suas infraestruturas militares e que sonega informação ao escrutínio do parlamento – não é um governo sério.

É um governo de figurantes. E, se o é, teria feito mais sentido terem-se contratado a eles próprios por 200 euros. Faziam as perguntas entre si, engendravam umas respostas simpáticas e poupavam-nos à vergonha alheia, à mise-en-scène de que está tudo a correr bem na página do tempo novo, mas sobretudo revelavam a honestidade dos artistas que verdadeiramente são.

O pior disto tudo é que estamos a lidar com gente que sabe muito bem o que fazer para se manter à tona, governando no equilíbrio da espuma dos dias. Ontem, Pedro Nuno Santos, dizia numa entrevista que “a direita não sabe como funciona a economia”. Estou absolutamente convencido de que tem razão. Um governo que contrata cidadãos com vouchers de compras de 200 euros para lhe fazerem perguntas sabe muito bem como a “economia” se desenrola. Sabe muito bem o que a faz mexer, sabe com que mexer e no que mexer. Mas sabe, sobretudo, no que não mexer para que a sua presença permaneça no tempo.

 

Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário, Escreve à segunda-feira