A revolução de Outubro


Na noite de 1 de Outubro, Jerónimo de Sousa percebeu que tinha de voltar a seguir o legado de Lenine e deixar de apoiar Kerensky. É por isso que o PCP abandonou a sua política de entente cordiale e iniciou uma nova revolução de Outubro


Há cem anos, em 7 de Novembro de 1917 (25 de Outubro, segundo o calendário juliano), a Revolução Bolchevique derrubava o governo provisório de Kerensky. Cumpria-se assim o desígnio de Lenine, que desde o início se recusou a dar qualquer apoio a esse governo socialista moderado, exigindo a tomada de poder pelos sovietes.

Em Portugal, há muito tempo que o PCP era considerado como a última relíquia histórica do leninismo nos partidos comunistas. Pareceu, no entanto, ter abandonado essa configuração quando Jerónimo de Sousa deu apoio ao governo socialista de António Costa, o que representou uma grande ruptura com o passado dos comunistas. Nunca passou pela cabeça de Álvaro Cunhal apoiar qualquer governo socialista, considerando que isso seria como se Lenine tivesse apoiado o governo de Kerensky. Mesmo o apoio a Mário Soares na segunda volta das eleições presidenciais de 1985, única hipótese de evitar a eleição de Freitas do Amaral, causou na altura grande constrangimento ao Partido Comunista.

Os tempos são outros, a Revolução de Outubro deixou de ser comemorada na própria Rússia, e Jerónimo de Sousa tem procurado fazer o aggiornamento do PCP, com novos rostos e outras propostas políticas. Só que já se sabe aonde conduz esse processo. A experiência italiana demonstrou que a transformação do PCI no Partido Democrático de Esquerda (PDS), a partir de 1991, e depois no Partido Democrático (PD) a partir de 2007, leva a que um partido comunista que se queira modernizar deixa rapidamente de ser comunista para se transformar num simples partido de centro-esquerda. Na Itália, isso não foi problema porque o PD ocupou o espaço político deixado vazio pelo colapso do Partido Socialista Italiano. Em Portugal, no entanto, o PS está de pedra e cal no espaço do centro-esquerda, e o Bloco ainda apanha as franjas radicais do eleitorado de esquerda. Por isso, o PCP, ao apoiar o governo de António Costa, cometeu o seu suicídio político, que ficou bem visível com a estrondosa derrota eleitoral que teve nas autárquicas, perdendo nove câmaras, incluindo os bastiões de Almada, Barreiro e Beja.

Nessa noite de 1 de Outubro, Jerónimo de Sousa percebeu que tinha de voltar a seguir o legado de Lenine e deixar de apoiar Kerensky. É por isso que o PCP abandonou a sua política de entente cordiale e iniciou uma nova revolução de Outubro, multiplicando as suas reivindicações sobre o governo e, inclusivamente, pondo os sindicatos a fazer manifestações contra ele. Depois de Sócrates ter congelado as carreiras dos professores, vieram agora os sindicatos destes exigir o descongelamento das mesmas com eficácia retroactiva, o que implica considerar que nunca houve congelamento e atirar de imediato 25% dos professores para o topo da carreira. Perplexo, o governo tentou prolongar no tempo a reivindicação e lá conseguiu um acordo com os sindicatos dos professores. A resposta que teve do PCP foi que o acordo tinha de ser estendido a outros sectores da função pública, fazendo a CGTP imediatamente uma enorme manifestação a exigir o aumento geral dos salários. Já se sabe quem depois irá pagar essa factura.

Resta saber se António Costa vai satisfazer estas reivindicações constantes do PCP ou se opta por ir para eleições. Em qualquer caso, é neste momento evidente que a sua geringonça perdeu uma das três rodas.

 

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990