O não assumir de responsabilidades e alguma falta de vergonha têm sido lugar comum nesta governação. Isto seria grave se apenas se traduzisse em casos esporádicos ou em situações de explicações difíceis, mas típicas e transversais àqueles que exercem o poder. Acontece que quando é o próprio primeiro-ministro a corporizar e a incitar ao passa culpas e à desresponsabilização permanente, a situação já não é apenas grave. É indigna.
Sempre que a opinião pública se exalta perante uma determinada decisão do governo, o seu spin mediático encarrega-se de passar a ideia de que a culpa cabe ao governo anterior. Foi assim em Tancos quando furtaram material de guerra, e que ainda hoje o país espera por uma cabal explicação, e que se insinuou que o problema derivava da degradação das instalações militares que o anterior governo não cuidou, mas que depois se soube que afinal estava na gaveta do atual ministro o procedimento preparado para um concurso de reabilitação dessas instalações.
Foi assim com os incêndios quando se atribuíram culpas ao governo anterior pela politica florestal seguida e pelo desinvestimento na Proteção Civil fruto da austeridade, quando depois se veio a descobrir que a Proteção Civil foi recheada de amigos seus nos quadros dirigentes, que a Força Aérea havia produzido um relatório, há mais de dois anos, em que explicava a necessidade de uma maior eficácia e de um maior envolvimento das Forças Armadas no combate aos incêndios.
Tem sido assim com a degradação de qualidade e de meios dos serviços hospitalares, dos setores da educação, da justiça ou da administração interna em que a atuação do governo anterior tem sido o bode expiatórios, mas depois se percebe que tem sido a sua política e as suas opções as causadoras dos efeitos que todos conhecemos.
E foi assim, com o mais recente caso do jantar oferecido pela organização do Web Summit no Panteão Nacional. Não tivesse existido indignação social e o episódio passaria em claro. Mas como houve, lá se apressou o primeiro-ministro a classificar o evento como “indigno” e a atribuir responsabilidades ao executivo anterior insinuando que nem ele, nem o seu executivo, nem os órgãos de administração pública tutelados pelo seu governo teriam responsabilidade na matéria.
Acontece que o sr. primeiro-ministro está a faltar à verdade, para não ter que escrever preto no branco que está a mentir.
O anterior executivo exarou um despacho regulamentar que instituía um conjunto de normas de utilização do património e dos espaços culturais. Nada de extraordinário, nem de grave se considerarmos que regulamentos para utilização de espaços culturais é o que, por exemplo, mais existe por esses municípios fora incluindo o de Lisboa, curiosamente com um em vigor desde os tempos em que António Costa o presidia. Mas, voltando ao despacho do anterior governo, nele se prevê, a meu ver mal, a realização de jantares/banquetes no Panteão Nacional embora essa possibilidade careça de autorização expressa e vinculativa da Direção Geral do Património Cultural (art.º 2.º) e, em circunstancia alguma, esse evento pode colidir com o âmbito histórico-cultural do espaço que se pretende utilizar (art.º 3.º).
Torna-se evidente que a “indignidade” teve que ser autorizada. E foi autorizada por uma Direção-Geral do seu governo, tutelada por um ministério do seu governo e, no limite, com a sua concordância, pois ninguém acredita que tudo isto fosse um mistério nos corredores do Ministério da Cultura. Mais, convinha também sabermos se nesse evento estiveram presentes representantes do Estado. Porque a “indignidade”, como refere o sr. primeiro-ministro, tanto é de quem pratica o ato como de quem compactua com ele. E, nesse aspeto, só existe um caminho para que ele não perca a sua autoridade nesta matéria. Impedir que a “indignidade” se perpetue como tomar todas as diligências necessárias para que quem representou o Estado no ato e na conivência não o representem mais.
Costuma dizer-se que “pela boca morre o peixe”. Neste caso o peixe já fede. E já vai ser tempo de o Dr. António Costa começar a assumir as suas responsabilidades e deixar de nos tomar por parvos.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário, Escreve à segunda-feira