Até para o ano, Paddy Cosgrave


Da conversa com John, que não sabia que a Madonna vivia em Portugal, aos avisos mais profundos da Web Summit 


“Como é que se vai para ‘Bicôs’?”, pergunta John em inglês. É o final do primeiro dia da Web Summit e o homem aproxima-se, com dificuldades em encontrar o caminho. Depois de várias tentativas, percebemos que quer ir para Picoas e caminhamos na direção do metro. Seguem-se perguntas que são uma espécie de exame de consciência para quem acaba de sair do ecossistema frenético da conferência de Paddy Cosgrave – ecossistema é só um dos termos que é quase obrigatório incorporar no vocabulário para não se parecer um alien no certame. O melhor que ouvimos por estes dias foi que um determinado aparelho era “agnóstico”, sinónimo de universal – como os comandos universais para televisores que, se quiser ter algum estilo, poderá passar a chamar agnósticos.

Mas voltemos ao caminho junto ao rio na companhia de John, que nos desafia a adivinhar de onde é pela forma como fala inglês. Não acertamos, mas é do Egito. “De que vive o país? Não vejo muita indústria”, começa. Não existe muita de facto, anuímos. Exportações, cortiça, calçado, mas o setor dos serviços é de longe o que emprega mais pessoas. E ultimamente é sobretudo o turismo que tem estado a crescer. Os estrangeiros adoram Portugal. “Porquê?”, inquire o nosso interlocutor. Pelo bom tempo e o sol, começamos, ironicamente a tiritar, o que John não deixa de notar. “À noite é frio.” Certo, mas estamos em novembro e na semana passada estiveram perto de 30 graus.

Lisboa é uma cidade bonita, com história, praias a 20 minutos, argumentamos. E, no fundo, é barata. Barata para os turistas, comparando com outras cidades. Para nós, é um disparate. O salário mediano em Portugal é de pouco mais de 800 euros. “A sério?”, pergunta John. E quase um quarto dos portugueses ganham o salário mínimo, que não chega a 600 euros. Valor que praticamente não dá para alugar um T1 em Lisboa – às vezes, nem chega para um quarto. Estive na Áustria na semana passada e custa tanto jantar fora em Salzburgo como em Lisboa. Lá, os salários andam facilmente pelos 2 mil a 3 mil euros. Não há portagens: paga-se oito euros para andar cinco dias na autoestrada ou 80 euros por ano. Cá gastam-se 40 euros para ir ao Porto e voltar.

Mas o facto é que Lisboa está na moda. Até a Madonna vive em Lisboa. “Ai é? Porque é que a Madonna vive em Lisboa?”, reage John, o que não deixa de ser uma boa pergunta. Não sabemos muito bem, gostou… embora às vezes pareça que não está assim tão satisfeita. Temos incentivos para atrair estrangeiros…

Chegamos à entrada do Centro Comercial Vasco da Gama e despedimo-nos. “Pensem numa ideia de negócio que pudesse fazer sentido entre os nossos países e escrevam-me”, diz John, no que parece ser um lamiré da tal oportunidade de networking que muitos dos participantes veem no hiperativo programa da Web Summit, uma esperança de descolar. No final da Web Summit, o que retirar? Da ótica do espetador, são centenas de ideias – demasiadas ao mesmo tempo. Umas hão de ter sucesso e outras não. Para uns será sorte, para outros trabalho, persistência. Como comentava com graça João Cravinho na TSF: “Muitos julgam que esta coisa das startups é atar e pôr ao fumeiro.” Há de haver poucas coisas na vida em que assim seja. O Estado está interessado em apoiar inovação, é o futuro. Às vezes penso se não será de certa forma injusto tanto hype em torno deste mundo para outros pequenos e médios empresários que, ao longo do tempo, tiveram de fazer o seu caminho, lidar com as burocracias do Estado, adaptar-se às mudanças do tempo e ainda aí andam a trabalhar, sem ajuda de ninguém e sem holofotes.

Da conferência ficam ainda assim alguns avisos mais metafísicos sobre os quais pode valer a pena refletir para lá do carrossel da Web Summit. Da tal inteligência artificial que já começa a ser perigosamente esperta – numa das palestras falou-se do algoritmo apresentado em setembro que consegue adivinhar por reconhecimento facial se uma pessoa é gay ou heterossexual – aos riscos do nosso futuro convívio com os robôs, que não é só os empregos que nos poderão roubar ou a viabilidade da segurança social, que já não está assegurada. E se nos dessensibilizarem de alguma forma?, interrogou Aimee van Wynsberghe, da Foundation for Responsible Robotics. Se passarmos para eles as tarefas mais exigentes, incluindo cuidar de doentes nos hospitais, dar-lhes banho, estaremos a tornar-nos também menos humanos?

 

Jornalista, Escreve à sexta-feira


Até para o ano, Paddy Cosgrave


Da conversa com John, que não sabia que a Madonna vivia em Portugal, aos avisos mais profundos da Web Summit 


“Como é que se vai para ‘Bicôs’?”, pergunta John em inglês. É o final do primeiro dia da Web Summit e o homem aproxima-se, com dificuldades em encontrar o caminho. Depois de várias tentativas, percebemos que quer ir para Picoas e caminhamos na direção do metro. Seguem-se perguntas que são uma espécie de exame de consciência para quem acaba de sair do ecossistema frenético da conferência de Paddy Cosgrave – ecossistema é só um dos termos que é quase obrigatório incorporar no vocabulário para não se parecer um alien no certame. O melhor que ouvimos por estes dias foi que um determinado aparelho era “agnóstico”, sinónimo de universal – como os comandos universais para televisores que, se quiser ter algum estilo, poderá passar a chamar agnósticos.

Mas voltemos ao caminho junto ao rio na companhia de John, que nos desafia a adivinhar de onde é pela forma como fala inglês. Não acertamos, mas é do Egito. “De que vive o país? Não vejo muita indústria”, começa. Não existe muita de facto, anuímos. Exportações, cortiça, calçado, mas o setor dos serviços é de longe o que emprega mais pessoas. E ultimamente é sobretudo o turismo que tem estado a crescer. Os estrangeiros adoram Portugal. “Porquê?”, inquire o nosso interlocutor. Pelo bom tempo e o sol, começamos, ironicamente a tiritar, o que John não deixa de notar. “À noite é frio.” Certo, mas estamos em novembro e na semana passada estiveram perto de 30 graus.

Lisboa é uma cidade bonita, com história, praias a 20 minutos, argumentamos. E, no fundo, é barata. Barata para os turistas, comparando com outras cidades. Para nós, é um disparate. O salário mediano em Portugal é de pouco mais de 800 euros. “A sério?”, pergunta John. E quase um quarto dos portugueses ganham o salário mínimo, que não chega a 600 euros. Valor que praticamente não dá para alugar um T1 em Lisboa – às vezes, nem chega para um quarto. Estive na Áustria na semana passada e custa tanto jantar fora em Salzburgo como em Lisboa. Lá, os salários andam facilmente pelos 2 mil a 3 mil euros. Não há portagens: paga-se oito euros para andar cinco dias na autoestrada ou 80 euros por ano. Cá gastam-se 40 euros para ir ao Porto e voltar.

Mas o facto é que Lisboa está na moda. Até a Madonna vive em Lisboa. “Ai é? Porque é que a Madonna vive em Lisboa?”, reage John, o que não deixa de ser uma boa pergunta. Não sabemos muito bem, gostou… embora às vezes pareça que não está assim tão satisfeita. Temos incentivos para atrair estrangeiros…

Chegamos à entrada do Centro Comercial Vasco da Gama e despedimo-nos. “Pensem numa ideia de negócio que pudesse fazer sentido entre os nossos países e escrevam-me”, diz John, no que parece ser um lamiré da tal oportunidade de networking que muitos dos participantes veem no hiperativo programa da Web Summit, uma esperança de descolar. No final da Web Summit, o que retirar? Da ótica do espetador, são centenas de ideias – demasiadas ao mesmo tempo. Umas hão de ter sucesso e outras não. Para uns será sorte, para outros trabalho, persistência. Como comentava com graça João Cravinho na TSF: “Muitos julgam que esta coisa das startups é atar e pôr ao fumeiro.” Há de haver poucas coisas na vida em que assim seja. O Estado está interessado em apoiar inovação, é o futuro. Às vezes penso se não será de certa forma injusto tanto hype em torno deste mundo para outros pequenos e médios empresários que, ao longo do tempo, tiveram de fazer o seu caminho, lidar com as burocracias do Estado, adaptar-se às mudanças do tempo e ainda aí andam a trabalhar, sem ajuda de ninguém e sem holofotes.

Da conferência ficam ainda assim alguns avisos mais metafísicos sobre os quais pode valer a pena refletir para lá do carrossel da Web Summit. Da tal inteligência artificial que já começa a ser perigosamente esperta – numa das palestras falou-se do algoritmo apresentado em setembro que consegue adivinhar por reconhecimento facial se uma pessoa é gay ou heterossexual – aos riscos do nosso futuro convívio com os robôs, que não é só os empregos que nos poderão roubar ou a viabilidade da segurança social, que já não está assegurada. E se nos dessensibilizarem de alguma forma?, interrogou Aimee van Wynsberghe, da Foundation for Responsible Robotics. Se passarmos para eles as tarefas mais exigentes, incluindo cuidar de doentes nos hospitais, dar-lhes banho, estaremos a tornar-nos também menos humanos?

 

Jornalista, Escreve à sexta-feira