Um dos mais intrigantes convidados da Web Summit, que decorre esta semana em Lisboa, é o Professor Einstein Robot, da Hanson Robotics, que se anuncia como “um parceiro na exploração dos mistérios do Universo”. Para além do aspeto folclórico, o Professor Einstein Robot conduz-nos naturalmente a uma questão mais profunda: será que a expansão acelerada da inteligência artificial e da aprendizagem automática, ou machine learning, levará a que, no futuro, não precisemos de físicos para desvendar os mistérios do Universo?
A física foi uma das primeiras áreas a identificar e explorar o potencial da computação. Desde meados dos anos 50 que os computadores assumiram um papel cada vez mais central na física. As experiências são controladas automaticamente, os dados de muitas experiências são analisados e processados automaticamente por potentes redes de computadores localizadas por todo o globo, e cada vez mais as simulações em computador substituem as experiências em laboratório. É por isso comum dizer-se que as simulações numéricas e a computação representam, não só para a física, o terceiro pilar do método científico, a par da teoria e da experimentação.
É fácil perceber o potencial transformador da computação. O primeiro projeto que utilizou de forma massiva computação e cálculo científico, apesar de tudo ainda ser analógico, foi o Projeto Manhattan, da primeira bomba atómica, nos anos 40 do séc. xx. Salas cheias de máquinas de calcular eram operadas por pessoas dia e noite para produzir os cálculos necessários. Assumindo que cada uma dessas pessoas conseguia operar a máquina de modo eficiente para fazer uma multiplicação por segundo, algo que o(a) leitor(a) poderá tentar também, podemos estimar o custo de operação de multiplicação, a valores atuais, como cerca de 0,1 cêntimo por multiplicação. Num smartphone ou tablet comuns, em tudo idêntico ao dispositivo em que lemos as notícias de jornal, a mesma operação de multiplicação custa hoje menos do que 0,0000000000000000001 euros, ou seja, na linguagem dos físicos, 15 ordens de grandeza mais barata do que no Projeto Manhattan. Para compreendermos como esta diferença é qualitativamente revolucionária basta lembrar que 15 ordens de grandeza correspondem também a comparar a idade do Universo com a duração de um piscar de olhos.
E é este potencial revolucionário da computação que tem permitido avanços extraordinários. Por exemplo, o prof. João Seixas, do Departamento de Física do IST e do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, foi um dos pioneiros, há mais de 30 anos, na utilização de redes neuronais para a procura de novas partículas no CERN, através do processamento, classificação e procura automática nas experiências de física de partículas. Em muitas áreas da engenharia, por exemplo da engenharia mecânica, novos modelos de aviões ou de automóveis são totalmente desenhados, prototipados e testados em computador antes de produzidos. E a integração cada vez maior, e previsível, entre pessoa e máquina, tão bem explorada pelo prof. Arlindo Oliveira, presidente do IST, no seu recente livro “Digital Minds”, publicado pela MIT Press, potenciará ainda mais a capacidade transformadora da computação na ciência e na nossa sociedade.
Contudo, estes avanços não vão substituir os físicos, ou os cientistas em geral. Porque fazer ciência é, em primeiro lugar e antes de tudo, colocar as questões certas, enunciar o “e se..?”, ou “o que acontece quando…?” ou “porque é que é assim?”. E responder às questões é não só um processo dedutivo, de análise de dados, ou de exploração de técnicas matemáticas, mas principalmente um processo com uma forte componente do que os físicos designam por intuição física, um género de sexto sentido que conduz a educated guesses, ou estimativas informadas, que guia os físicos para a descoberta e que, na generalidade dos avanços, tem uma dimensão criativa. Os avanços associados à aprendizagem automática serão fundamentais e cada vez mais importantes; não conduzirão à substituição dos físicos, mas libertarão os cientistas dos processos mais monótonos e rotineiros e, como ouvi recentemente numa conferência, “machine learning will put the physicists back in the driver’s seat”.
Professor catedrático
do Departamento de Física
Presidente do Conselho Científico
Instituto Superior Técnico