Vamos alterar as alterações climáticas?


Os políticos também serão avaliados pela capacidade que tiverem de antever, preparar e conter as catástrofes


O nosso clima está tão virado do avesso que olhamos com desconfiança e temor para qualquer boletim meteorológico. Calor? Tememos incêndios e lamentamos a seca. Chuva? Receamos cheias e antevemos prejuízos com inundações.
Tal como a nossa política, o mundo não está para estações temperadas.

As alterações climáticas deixaram de ser um conceito abstrato. Só não vê quem não quer. Os fenómenos extremos tornaram-se mais habituais e mais violentos. As seguradoras estimam que o número de catástrofes relacionadas com fenómenos climatéricos tenham quadruplicado desde 1970. E um relatório da ONU divulgado esta semana estima que a concentração de CO2 na atmosfera terrestre tenha atingido o valor mais elevado em milhares de anos.

Perante esta dramática alteração do mundo, que atingirá centenas de milhões de pessoas em todo o globo e mudará o nosso modo de vida, temos duas hipóteses: ou engrossamos a corrente dos crentes negacionistas e, guiados por Donald Trump, no altar do capitalismo desenfreado e desumano, desvalorizamos e ridicularizamos a evidência científica e empírica; ou, com o suporte da ciência, escolhemos agir na defesa do nosso modo de vida, da dignidade humana e do nosso planeta.

Penso que há um consenso tácito na sociedade portuguesa de que devemos estar ao lado dos que querem um futuro sustentável. Ele tornou-se ainda mais evidente depois de o país ter sido tocado por catástrofes extremas nos últimos quatro meses. 

Paradoxalmente, esse consenso não se tem refletido ainda na ação política do atual governo. 

Prometem-nos uma mudança. Tem mesmo de haver mudança. Essa mudança tem de passar, numa primeira fase, pela mobilização do todo nacional. Governo central, governo local, empresas, escolas e cidadãos: todos têm de dar o contributo para que, gradualmente, a sociedade comece a afastar-se do limiar de emergência em que se encontra.
Tenho a convicção de que qualquer mudança estrutural deve assentar em quatro pilares. 

O primeiro pilar é o da resiliência e proteção civil. Como aqui tenho escrito, proteger os cidadãos é a tarefa primordial do Estado. A resiliência mede essa capacidade de garantir a segurança individual e coletiva, ao mesmo tempo que aponta o caminho para a reposição da normalidade nas sociedades. A tarefa de curto prazo é, pois, reforçar os mecanismos de proteção civil para que Portugal esteja preparado para os choques extremos. 

O segundo pilar é de longo prazo e está ligado à ideia que temos de país e de sociedade. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas são um mapa, apolítico e apartidário, para o desenvolvimento sustentável. Conjugam crescimento económico e a sustentabilidade ambiental. Como o governo não tem um que se veja, julgo que o país teria muito a ganhar se António Costa fizesse dos ODS o seu projeto estratégico para o país. Incutiria uma mudança estrutural e de longo alcance na vida do país, à semelhança do que algumas cidades portuguesas já vêm a fazer.

O terceiro pilar é o ordenamento do território. Os incêndios mostraram o interior do país exposto na sua debilidade económica e demográfica. Mas não tenhamos ilusões: testado por outros eventos extremos, como um sismo (cuja probabilidade é elevada na área da Grande Lisboa), também o país, com índices de desenvolvimento europeu, seria exposto em toda a sua fragilidade. É tempo de admitir o que todos sabemos: o planeamento do território privilegiando a segurança nunca foi uma prioridade para os decisores políticos portugueses nas últimas décadas, talvez até no último século. Também agora é o tempo de refazer as cidades – dos bairros históricos de Lisboa à zona ribeirinha do Porto, das arribas do Algarve às florestas do Pinhal Interior –, e refazendo-as de forma inteligente. 

Quarto e último pilar: a descentralização. Esta ideia de reforma do país tem de ser feita do local para o global. Temos de admitir que os autarcas conhecem melhor o terreno e as suas necessidades do que os burocratas em Lisboa. As autarquias precisam de mais competências para fazer o que tem de ser feito. Precisam de competências para que, por exemplo, a gestão das frentes ribeirinhas ou marítimas não dependa de 19 ou 20 entidades diferentes. 

Estas ideias projetam um país diferente daquele que tivemos até agora. Certamente mais resiliente e economicamente mais sustentável. Mais focado na segurança das gerações do presente e sobretudo preocupado com o futuro das gerações mais jovens. 

Todos sabemos que os incêndios, tal como os sismos, vão acontecer. A ciência só não nos diz quando. A variável tempo, não estando sob controlo político, pode e deve ser trabalhada pelos decisores públicos.

Todas as intervenções de curto prazo servem para comprar tempo. Tempo para nos preparamos melhor antes de termos conseguido alterar as alterações climáticas.

Na segunda metade do séc. xx, os políticos na Europa foram avaliados sobretudo pelo ritmo de desenvolvimento económico, criação de riqueza e prosperidade que foram capazes de incutir nas suas sociedades. Julgo que o paradigma está lentamente a mudar e, cada vez mais, os políticos no séc. xxi serão avaliados em função da capacidade que têm de projetar valores como a estabilidade e a segurança face ao que os eleitores percecionem como riscos.

Os políticos também serão avaliados pela capacidade que tiverem de antecipar, preparar e conter as catástrofes.

Escreve à quarta-feira


Vamos alterar as alterações climáticas?


Os políticos também serão avaliados pela capacidade que tiverem de antever, preparar e conter as catástrofes


O nosso clima está tão virado do avesso que olhamos com desconfiança e temor para qualquer boletim meteorológico. Calor? Tememos incêndios e lamentamos a seca. Chuva? Receamos cheias e antevemos prejuízos com inundações.
Tal como a nossa política, o mundo não está para estações temperadas.

As alterações climáticas deixaram de ser um conceito abstrato. Só não vê quem não quer. Os fenómenos extremos tornaram-se mais habituais e mais violentos. As seguradoras estimam que o número de catástrofes relacionadas com fenómenos climatéricos tenham quadruplicado desde 1970. E um relatório da ONU divulgado esta semana estima que a concentração de CO2 na atmosfera terrestre tenha atingido o valor mais elevado em milhares de anos.

Perante esta dramática alteração do mundo, que atingirá centenas de milhões de pessoas em todo o globo e mudará o nosso modo de vida, temos duas hipóteses: ou engrossamos a corrente dos crentes negacionistas e, guiados por Donald Trump, no altar do capitalismo desenfreado e desumano, desvalorizamos e ridicularizamos a evidência científica e empírica; ou, com o suporte da ciência, escolhemos agir na defesa do nosso modo de vida, da dignidade humana e do nosso planeta.

Penso que há um consenso tácito na sociedade portuguesa de que devemos estar ao lado dos que querem um futuro sustentável. Ele tornou-se ainda mais evidente depois de o país ter sido tocado por catástrofes extremas nos últimos quatro meses. 

Paradoxalmente, esse consenso não se tem refletido ainda na ação política do atual governo. 

Prometem-nos uma mudança. Tem mesmo de haver mudança. Essa mudança tem de passar, numa primeira fase, pela mobilização do todo nacional. Governo central, governo local, empresas, escolas e cidadãos: todos têm de dar o contributo para que, gradualmente, a sociedade comece a afastar-se do limiar de emergência em que se encontra.
Tenho a convicção de que qualquer mudança estrutural deve assentar em quatro pilares. 

O primeiro pilar é o da resiliência e proteção civil. Como aqui tenho escrito, proteger os cidadãos é a tarefa primordial do Estado. A resiliência mede essa capacidade de garantir a segurança individual e coletiva, ao mesmo tempo que aponta o caminho para a reposição da normalidade nas sociedades. A tarefa de curto prazo é, pois, reforçar os mecanismos de proteção civil para que Portugal esteja preparado para os choques extremos. 

O segundo pilar é de longo prazo e está ligado à ideia que temos de país e de sociedade. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas são um mapa, apolítico e apartidário, para o desenvolvimento sustentável. Conjugam crescimento económico e a sustentabilidade ambiental. Como o governo não tem um que se veja, julgo que o país teria muito a ganhar se António Costa fizesse dos ODS o seu projeto estratégico para o país. Incutiria uma mudança estrutural e de longo alcance na vida do país, à semelhança do que algumas cidades portuguesas já vêm a fazer.

O terceiro pilar é o ordenamento do território. Os incêndios mostraram o interior do país exposto na sua debilidade económica e demográfica. Mas não tenhamos ilusões: testado por outros eventos extremos, como um sismo (cuja probabilidade é elevada na área da Grande Lisboa), também o país, com índices de desenvolvimento europeu, seria exposto em toda a sua fragilidade. É tempo de admitir o que todos sabemos: o planeamento do território privilegiando a segurança nunca foi uma prioridade para os decisores políticos portugueses nas últimas décadas, talvez até no último século. Também agora é o tempo de refazer as cidades – dos bairros históricos de Lisboa à zona ribeirinha do Porto, das arribas do Algarve às florestas do Pinhal Interior –, e refazendo-as de forma inteligente. 

Quarto e último pilar: a descentralização. Esta ideia de reforma do país tem de ser feita do local para o global. Temos de admitir que os autarcas conhecem melhor o terreno e as suas necessidades do que os burocratas em Lisboa. As autarquias precisam de mais competências para fazer o que tem de ser feito. Precisam de competências para que, por exemplo, a gestão das frentes ribeirinhas ou marítimas não dependa de 19 ou 20 entidades diferentes. 

Estas ideias projetam um país diferente daquele que tivemos até agora. Certamente mais resiliente e economicamente mais sustentável. Mais focado na segurança das gerações do presente e sobretudo preocupado com o futuro das gerações mais jovens. 

Todos sabemos que os incêndios, tal como os sismos, vão acontecer. A ciência só não nos diz quando. A variável tempo, não estando sob controlo político, pode e deve ser trabalhada pelos decisores públicos.

Todas as intervenções de curto prazo servem para comprar tempo. Tempo para nos preparamos melhor antes de termos conseguido alterar as alterações climáticas.

Na segunda metade do séc. xx, os políticos na Europa foram avaliados sobretudo pelo ritmo de desenvolvimento económico, criação de riqueza e prosperidade que foram capazes de incutir nas suas sociedades. Julgo que o paradigma está lentamente a mudar e, cada vez mais, os políticos no séc. xxi serão avaliados em função da capacidade que têm de projetar valores como a estabilidade e a segurança face ao que os eleitores percecionem como riscos.

Os políticos também serão avaliados pela capacidade que tiverem de antecipar, preparar e conter as catástrofes.

Escreve à quarta-feira