Como é que se escreve uma dedicatória ao Presidente da República?


Eu estava completamente incrédula por aquilo estar a acontecer e não acreditava que lhe escrevia, a seu pedido, uma dedicatória


A vida é do caraças. É bonita, inquietante, imprevisível e… do caraças. As coisas nunca acontecem de forma linear, nunca são o que se define, o que se desenha, o que se conjetura. É sempre tudo outra coisa – podes até lançar a nota e exigir que tudo se siga por ela, mas o tom, a música, será sempre diferente daquela que projetaste. Na maior parta das vezes, até preferes a melodia que se construiu e que não controlaste, mesmo que não tenha sido essa a predefinida. A música que acaba por se ouvir, por se viver, é sempre mais desafinada, menos perfeita, mas é talvez aquela que te encaixa melhor.

Estou habitada a mandar muitos bitaites para o ar. E isso significa que digo coisas que depois repenso e altero, porque não pensei muito nelas… mas também significa que lanço sonhos para o ar na esperança de que o universo mos devolva resolvidinhos. Gosto de dizer coisas como “um dia poderei viajar quando me apetecer”; “um dia irei escrever um argumento para um filme”; “um dia participarei no TED América”; “um dia, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, terá um livro meu na mão”. Se não dissermos estas coisas, como é que o mundo sabe? Não vale a pena arriscar e ficar caladinha, pois não?

Foi isso que fiz. E esta é uma daquelas histórias que irei contar, repetidamente, aos meus netos desdentados e atentos: “Conta aquela história em que tiveste muita sorte, ó avozinha bueda e muita fixe! Conta, conta, conta!”

Pois bem, saía de Mangualde, na companhia da minha irmã e da “Vaidosa”, a carrinha pão de forma de 1974 que me acompanhou na apresentação do Livro “Cancro com Humor 2” (aquele livro que os vossos pais proibiram que a avó vos lesse antes de dormir…). As pessoas chegavam ao Salão Nobre da Câmara Municipal de Mangualde, ainda com a cinza nos casacos. O concelho, assim como o país, fustigado pelos incêndios, tentava recompor-se. Sinceramente, não pensei que aparecessem. Mas apareceram. Claro que o ambiente estava diferente, estávamos magoados e ninguém tentou fugir disso, mas também estávamos felizes e gratos por nos vermos uns aos outros. A minha irmã dizia-me que nunca tinha visto tanta gente a cumprimentar-se com abraços.

Saímos tarde de Mangualde. Estávamos cansadas, a Sara começava a tremer com o frio e com a gripe que a atacava e queríamos chegar a casa, mas a nossa “Vaidosa” não andava muito depressa. Talvez fossem quase 23 horas. Parámos na área de serviço de Pombal e ficámos felizes por não estar praticamente ninguém. Estava sentada à mesa enquanto a Sara fazia o seu pedido. Percebo que não se despacha porque está a falar com alguém. Sim, era o nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe dava dicas para que se sentisse melhor. Dizia-lhe o que deveria tomar e a Sara, embrulhada naquela gripe, olhava para o nosso Presidente ainda em modo “what the fuck? (“É assim que se diz, filhotes?”).

O senhor Presidente diz-me olá com um sorriso de orelha a orelha. Eu correspondo de uma forma muito tosca. Não está praticamente ninguém ali e, na verdade, só vejo a minha irmã e o Presidente. Parece-me uma cena de um filme. Ainda sentada, lembro-me de mim, também a trabalhar na área de serviço, e lembro-me ainda de um dia ter enviado o primeiro livro, “Cancro com Humor”, para a redação da TVI, quando o nosso Presidente ainda era comentador, na esperança de que pegasse no meu livro e o lesse. Lembro-me de mim a dizer alto que um dia haveria de oferecer o meu livro àquele homem.

Levantei-me da cadeira. Cumprimentei-o, apresentei-me e falei–lhe da carrinha que ele certamente havia visto lá fora. Em menos de nada, o nosso Presidente, que deve ser a pessoa mais afável de sempre, ouvia o que lhe dizia, falava-me de humor, de amor, da importância da relativização. Estava exausto mas, mesmo assim, conversava com estas duas estranhas. Confidenciei-lhe que, numa palestra, tínhamos rido à sua custa porque o Júlio Magalhães contava- -nos algumas histórias hipocondríacas a seu respeito. E ele, com mais de 20 comprimidos na mão, confessou-me que talvez fossem um bocadinho verdade. A Sara foi buscar o livro. Eu estava completamente incrédula por aquilo estar a acontecer e não acreditava que lhe escrevia, a seu pedido, uma dedicatória.

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