Pedir a um apaixonado de futebol para apontar num papel os nomes daqueles que, para si, são os três melhores jogadores africanos da História, e verificar que nessa lista não consta o nome de George Weah, faria qualquer um repensar duas vezes sobre se o sujeito a quem foi lançado o desafio é, verdadeiramente, um aficionado do desporto rei. Por outro lado, um cenário destes nunca se colocaria, é preciso dizê-lo, se o mesmo pedido fosse direcionado a um cidadão africano, e muito menos a um que tivesse raízes na região ocidental de África, independentemente da sua paixão ou conhecimento futebolístico. King George – como é conhecido na sua Libéria natal – foi o único jogador africano a vencer a Bola de Ouro e o prémio de melhor futebolista do mundo da FIFA – ambos em 1995 – e, ao longo da década de 90, carregou pelos grandes palcos do futebol europeu o imenso orgulho do continente.
Com mais de 600 jogos realizados e para cima de 280 golos marcados, divididos entre Mighty Barrolle (Libéria), Invencible Eleven (Libéria), Tonnerre Yaoundé (Camarões), AS Mónaco (França), Paris Saint-Germain (França), AC Milan (Itália), Chelsea (Inglaterra), Manchester City (Inglaterra), Marselha (França), Al Jazira (Emirados Árabes Unidos) e a seleção nacional liberiana – ao serviço dos quais conquistou 1 Liga Francesa, 3 Taças de França, 1 Taça da Liga Francesa, 2 Ligas Italianas e 2 Taças de Inglaterra -, Weah teve uma carreira futebolística recheada de sucesso e de fama e subiu com todo o mérito ao Olimpo dos grandes artistas do jogo, com especial destaque para o período em que representou as cores do colosso de Milão (1995-1999).
Foi, aliás, com a camisola do Milan que protagonizou um dos momentos mais insólitos envolvendo um clube português. Em 1996, depois de um jogo nas Antas contra o FC Porto, Weah agrediu Jorge Costa no túnel de acesso aos balneários e partiu-lhe o nariz, justificando a agressão com alegados insultos racistas que o defesa português lhe terá dirigido.
Mas nem só de golos vive o Homem, particularmente aquele que pendura as botas e tem pela frente toda uma vida profissional por preencher. No caso de George Weah, essa inevitabilidade acabou por fazê-lo enveredar por uma carreira política que, depois dos falhanços eleitorais de 2005 e 2011, está hoje cada vez mais orientada para abrir de par em par as portas da presidência da Libéria. O ex-futebolista e candidato do Congresso para a Mudança Democrática (CDC, na sigla em inglês) foi o mais votado da primeira ronda das eleições presidenciais – realizada no passado dia 10 – com 39% dos votos, e com isso adquiriu bilhete para a segunda e derradeira volta – marcada para 7 de novembro -, que disputará com o atual vice-presidente Joseph Boakai, que se ficou pelos 29,1%.
Da lata ao ouro
George Tawlon Manneh Oppong Ousman Weah nasceu a 1 de outubro, em Monróvia, capital da Libéria e foi nos bairros de lata de Bushrod Island que, criado pela avó, começou a dar os primeiros toques na bola. «Jogávamos descalços e havia sempre o risco de alguém pisar uma garrafa partida, ou um prego, e sair do campo a chorar. São essas as recordações que guardo», contava o próprio num documentário emitido em 2013 pela CGTN Africa.
A decisão de seguir uma carreira futebolística provou-se acertada, num país onde a comida escasseava, a taxa de mortalidade aumentava de dia para dia e os jovens seguiam facilmente pelo trilho do crime. Um ano antes de rebentar a guerra civil liberiana, Arsène Wenger – agora treinador do Arsenal de Londres – estendeu-lhe a mão e levou-o para o AS Mónaco, aos 22 anos, poupando-o a um conflito que, ainda que com uma ligeira interrupção, se arrastou durante praticamente 14 anos, e fez mais de 250 mil mortos.
A glória de King George nos relvados valeu-lhe, para além do sucesso desportivo, um carteira bem recheada, pelo que mesmo o regresso à paupérrima Monróvia, finda a carreira desportiva aos 37 anos, não o fez abdicar dos luxos com que vivia na Europa e nos Emirados – onde passou os últimos dois anos a viver num palácio do emir, comum salário bruto de 4,5 milhões de euros. Na capital da Libéria, onde refugiados de guerra erravam pelas ruas esburacadas e prédios destruídos, Weah mandou erguer uma enorme mansão para viver, com campos de futebol e basquetebol, piscina e espaço para abrigar a sua coleção de carros de luxo.
Do fracasso ao sonho
Este distanciamento da realidade social do país foi, aliás, uma das principais armas utilizadas pelos seus opositores quando, em 2005, decidiu candidatar-se às presidenciais pela primeira vez. Incapaz de superar as críticas, sem experiência política e uma vez não sendo nem um orador de excelência, nem uma personalidade carismática o suficiente para conseguir convencer os eleitores que era mais do que um popular ex-jogador de futebol, Weah foi facilmente manietado pela oposição e, em alguns momentos, ridicularizado. Perdeu a contenda eleitoral para Ellen Johnson-Sirleaf – a primeira mulher a ser eleita chefe de Estado de um estado africano – e decidiu retirar-se para os EUA para investir na sua formação.
A temporada em solo americano pouco o ajudou a suplantar a postura envergonhada, o discurso enfadonho e o ar de quem parece não querer muito estar ali, que ainda hoje passa para o público na hora de dar entrevistas ou de falar em comícios partidários, mas deu-lhe o conhecimento e o know-how em matéria económica e uma redobrada vontade de voltar à luta política. Para além disso ajudou-o a cimentar-se como ativista em matéria de direitos humanos e educação, e a reforçar o papel proativo dos projetos já existentes aos quais se associou, como a George Weah Foundation, o Juniors Professional ou própria UNICEF. «Quero ser recordado pelas pessoas não como o George Weah que tem 2 ou 3 milhões de dólares na conta bancária ou que conduz os melhores carros. Quero, sim, ser lembrado como o George Weah que ajudou os jovens a ter uma melhor educação», disse um dia o ex-futebolista, citado pela Rede Angola.
Com um curso de Gestão pela Universidade de Illinois no bolso, Weah apresentou-se de novo nas urnas, desta vez como candidato a vice-presidente nas eleições de 2011. Os homens do CDC voltaram a ser derrotados por Sirleaf, mas o novo falhanço eleitoral viria a ser ‘suavizado’, com uma estrondosa vitória em 2014, com 78% dos votos, na corrida ao cargo de senador do condado de Montserrado, contra o próprio filho da presidente da Libéria.
O crescimento político de George Weah e a saída de cena de Ellen Johnson Sirleaf, ao fim de dois mandatos, criaram agora condições para nova candidatura à presidência que, com os resultados da primeira ronda, pode estar mais perto do que nunca. O antigo Bola de Ouro apresentou-se às urnas com a promessa de combater a pobreza e de recuperar a autoestima de um país que, para além da terrível guerra civil que viveu, foi recentemente palco de nova matança causada pela propagação descontrolada do vírus Ébola.
Weah fala ao ouvido da população como o rapaz do bairro de lata que venceu na vida pelo seu esforço e dedicação ao trabalho, e como o candidato antissistema, representante dos liberianos autóctones. Esse estatuto distingue-o dos descendentes dos escravos libertados dos campos de algodão do sul dos EUA que procuraram, a partir de 1847, fazer da Libéria uma terra de liberdade, mas que, mesmo sendo uma minoria, monopolizam os principais cargos políticos e empresariais de topo do país desde essa altura.
No dia 7 de novembro concorrerá com o candidato do establishment liberiano, Joseph Boakai, o último obstáculo antes da sonhada presidência. Resta saber se a vantagem obtida, na primeira volta, sobre aquele a quem chamam de ‘Ensonado Joe’ – alcunha adquirida pelo aproveitamento habitual de cerimónias políticas e cívicas para ‘passar pelas brasas’- será suficiente para George Weah marcar o mais decisivo e saboroso golo da sua carreira política.