Quando não funciona o que devia funcionar

Quando não funciona o que devia funcionar


As razões dos insucessos têm provavelmente mais a ver com mentalidades, com deficiente esclarecimento, com ausência de definição e assunção de prioridades e com falta de tomada de decisões


Recentes situações associadas ao acontecimento de fenómenos naturais colocaram a nu fragilidades várias não só na forma como nos preparamos para eventos potencialmente indutores de catástrofes, mas também na forma como reagimos face à sua ocorrência.

Não sendo Portugal um dos países onde a falta de preparação e a deficiente capacidade de resposta a situações de catástrofe sejam mais notórias, pode no entanto afirmar-se que, face ao nosso nível de desenvolvimento, temos condições para um melhor desempenho.

As razões dos insucessos têm provavelmente mais a ver com mentalidades, com deficiente esclarecimento, com ausência de definição e assunção de prioridades e com falta de tomada de decisões, e menos, como por vezes é invocado (quiçá para tentar justificar o insucesso), com falta de recursos financeiros ou humanos.

Para que se entenda de que trata, questionemo-nos sobre como nos sentimos preparados e como planeamos atuar, individual e coletivamente, na eventualidade de:

– riscos naturais como cheias, secas extremas, nevões, ondas de calor, terramotos, vulcões, incêndios florestais, precipitações intensas;

– riscos tecnológicos inerentes à produção, armazenamento e distribuição de combustíveis, produtos radioativos e substâncias perigosas;

– riscos associados ao terrorismo e à violência.

Cada um sentir-se-á, fruto da sua localização territorial e do meio envolvente, mais vulnerável a certos riscos, mas com elevada probabilidade não deixará de constatar algum motivo de preocupação e, sobretudo, algum desconhecimento e impreparação para lidar com algumas ocorrências.

A nível individual (e como meros exemplos):

– Que fizemos para evitar que a nossa habitação e quem nela reside estejam menos expostos a um incêndio florestal ou a uma cheia ou a um sismo?

– Temos o terreno circundante da nossa casa suficientemente limpo para evitar a propagação de um incêndio?

– Sabemos se estamos ou não a planear construir (ou construímos) em leito de cheia?

– Fixamos às paredes móveis e objetos pesados que potencialmente nos atingirão em caso de sismo?

– Sabemos o que fazer e temos um ponto de encontro com a família em caso de catástrofe?

A nível público (ainda como exemplos, aplicáveis a governantes, autarcas e decisores, mas também à saudável exigência da cidadania):

– Quão coerente e eficaz tem sido quem assumiu a responsabilidade de gerir a “coisa pública” e de definir as regras de ocupação do território e de edificação e funcionamento de infraestruturas, bem como de verificar o seu cumprimento?

– Que planeamento e preparação são feitos para situações de emergência?

– O que pode ser garantido sobre a segurança e operacionalidade de escolas, hospitais, instalações de emergência e infraestruturas críticas em caso de sismo?

– Que exigências existem (ou não) perante o cumprimento da regulamentação (com a correspondente fiscalização) em projetos e construção de infraestruturas?

– Que garantias podem ser dadas relativamente ao eficaz funcionamento das redes de infraestruturas (redes de comunicações, de eletricidade, de abastecimento de água, de saneamento, de infraestruturas de transporte, de distribuição de combustíveis) em caso de catástrofe (sejam fogos florestais, sismos, cheias ou secas extremas)?

Na eventualidade de riscos naturais, tecnológicos ou de origem humana, a vida do país e a qualidade da nossa vida dependem muito de como nos preparámos e de como conseguimos responder no imediato a essas situações, evitando as catástrofes.

Ou partimos do princípio de que haverá justificações para que o que deve funcionar não funcione?

Ou será que entendemos, individual e coletivamente, que basta que as responsabilidades se apurem (ou não?) a posteriori?

Ou insistimos em ser bastante invocar a divina proteção?

 

Professor do Instituto Superior Técnico