A geringonça 2.0 será monogâmica? Crónica de umas eleições legislativas anunciadas


Os resultados das eleições autárquicas permitem um saudável esquizofrenia: não há leituras nacionais mas já caiu o líder do partido mais votado nas legislativas e o PCP teve o seu pior resultado nacional de sempre


Os resultados das eleições autárquicas permitem um saudável esquizofrenia: não há leituras nacionais mas já caiu o líder do partido mais votado nas legislativas e o PCP teve o seu pior resultado nacional de sempre. Há uma matriz local que explica certos resultados, mas houve certamente “um dia de raiva” em que o eleitor, à semelhança do que soi fazer na mais irrelevante das eleições (para o Parlamento Europeu) deu largas ao fel.

Em Lisboa votou-se contra. Contra a maioria de Medina, contra Passos como líder, contra a sua escolha como candidata, contra Cristas na Assembleia República, contra a ordem partidária, com o desenho de boletins de voto alternativos e ainda sem candidatos independentes credíveis (e sem dinossauros). A vitória do PS em Lisboa esconde a perda de vereadores e da maioria absoluta. A vitória de Cristas esconde uma votação nacional de 2,6%. A eleição de muitos titulares de órgãos autárquicos foi uma consequência necessária do voto “contra” mas não uma eleição desejada. A tentativa de transformar o resultado autárquico no PS no pré-anúncio de uma maioria absoluta nas eleições legislativas ou a de considerar que o PCP, que caiu 0,5% no voto nacional, vai desaparecer são wishful thinking. Já para o Bloco a inexistência autárquica não significa inexistência nacional.

Não obstante, as eleições autárquicas anunciam as eleições legislativas. Como será a geringonça 2.0? Teremos, como em Lisboa e noutras autarquias, o PCP e o BE em despique para promover a geringonça monogâmica? Pelo PCP as perdas (Almada, Barreiro, Beja,…) são fruto da passagem do tempo (e da falta de ideias: 41 anos são muitos anos do mesmo) ou são o anúncio de uma erosão nacional? Acossado pelos resultados autárquicos aumentará o PCP as exigências em sede de negociação de benesses para o seu eleitorado e provocará a queda do Governo e a realização de eleições antecipadas? A queda da geringonça, o primeiro e único plano de Passos, verificar-se-á com dois anos de atraso e num contexto muito favorável ao Governo?

As primárias no PSD foram anunciadas para 2 de Dezembro para evitar que o partido se veja sem líder, ou com um líder em rodagem, em caso de eleições antecipadas. Mas o alinhamento dos candidatos alternativos a Rio, em frente unida ou em separado (Montenegro, Rangel, Santana) é feito em torno da possibilidade ou impossibilidade de integração do PSD na Geringonça 2.0. Rio aceitaria a repetição do Bloco Central, em diversas modalidades (Governo de coligação, acordo parlamentar ou a repetição do Kamasutra da gerigonça, em “posição conjunta”). Os putativos herdeiros do Passismo seriam contra um apoio ao “consenso” entre os dois maiores partidos, o contrário do que tem vindo a ser pregado por Marcelo.

Depois da queda de Passos, o mal-amado em Belém, quem é, no PSD, o candidato de Marcelo? Não é, por certo, Santana. Menos ainda Montenegro (a continuação do Passismo sem Passos). Não sendo Rangel, será Rio? Quem foram os emissários de Belém à Cimeira de Azeitão? Estarão os pastéis de Belém contaminados pelo cheiro a queijo?

Enquanto o PSD arruma a casa e escolhe um novo líder, Cristas livrou-se da herança de Portas (por quem foi co-optada para uma liderança que muitos viram como sendo provisória, até ao regresso de Portas) e proclamou-se líder da oposição.

Uma análise dialéctica veria o PS inclinado a reganhar o centro político depois das próximas eleições, seja por via de uma maioria absoluta, seja por uma aproximação a um PSD que abandonasse a prática liberal e regressasse à tradição social democrata.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990