Mudanças na floresta. Onde pára o dinheiro?

Mudanças na floresta. Onde pára o dinheiro?


A famosa Reforma Florestal vai fazer-se sem qualquer músculo financeiro associado, as medidas de fundo não foram, afinal, tomadas e as prioridades e compromissos políticos não passam pela floresta!


Porque foi difícil escolher entre o mês que falta para a entrega do Orçamento do Estado na Assembleia da República ou os três meses já passados sobre o incêndio de Pedrógão Grande, nada melhor do que fazer o que os publicitários “descobriram” há muito: escrever “dois em um”.

De facto, três meses passados sobre a catástrofe de Pedrógão (e dois sobre a aprovação da chamada Reforma Florestal), os portugueses – embora os estudos e os relatórios não estejam terminados e entregues – concluíram (ou foram levados a concluir) que:

– O SIRESP falhou (em relação a quê, ao que devia fazer ou àquilo que lhe foi contratado?);

– A Reforma Florestal, apresentada para discussão pública ainda no ano anterior – e aprovada à pressa e atabalhoadamente no parlamento antes das férias, por orientação expressa do senhor Presidente da República –, é o “caminho certo” (para onde?);

– O eucalipto – já “excomungado” no Programa do Governo por “razões políticas conjunturais”) – é/foi manifestamente “culpado” (de quê e porquê?). Eu diria que é seguramente tanto ou mais culpado que o comandante da Protecção Civil que se atreveu a comandar (legalmente) mas sem um “canudo clássico”…;

– A prevenção dos fogos florestais é manifestamente insuficiente e dispõe de muito menos meios financeiros e prioridade que os destinados ao combate dos ditos fogos (coisa antiga, aliás);

– Urge a tomada de medidas que tornem financeiramente viáveis, para os proprietários florestais, algumas das soluções florestais ambientalmente mais interessantes e que hoje não são economicamente possíveis (coisa igualmente “antiga” e que justificou a criação do Fundo Florestal Permanente em 2004, contra o qual votou, na altura, o deputado que hoje é ministro da Agricultura).

Vejamos agora como tudo isto se relaciona com o que até ao momento se conhece da proposta de OE para 2018:

– O SIRESP vai ser “descontratado”, “alargado”, “melhorado”, “processado”, etc. (consoante os dias, os autores oficiais e as notícias), mas seguramente vai ter mais dinheiro no Orçamento para 2018;

– A Protecção Civil vai ter novos dirigentes e os meios que decorrem do relatório que já apresentou à tutela, no sentido de se poderem “incrementar” as competências e meios de que já dispõe (no papel), sendo para tal o Orçamento para 2018 devidamente dotado;

– A Reforma Florestal, olhando para os diplomas aprovados, será levada a cabo com os mesmos meios financeiros que estavam disponíveis nos anos anteriores (“gerem-se” os meios financeiros dos fundos antes aprovados por Bruxelas, numa lógica de manta curta, tirando de um lado e colocando no outro… se o Ministério das Finanças não cativar a sempre obrigatória contribuição nacional);

– A proibição (na prática) de novos eucaliptais não tem custos adicionais para o Orçamento de 2018 (eles só virão mais tarde) e regressa-se às microplantações selvagens que, de novo, ninguém sabe quantas são, onde têm lugar e como são executadas. Quanto ao comandante da Protecção Civil… também não tem custos porque decidiu sair pelo seu pé, batendo com a porta;

– O Programa de Revitalização do Pinhal Interior já recomendou medidas certas e ajuizadas, mas no Orçamento para 2018 nada ad hoc parece estar inscrito… “porque se vão buscar verbas agrícolas e ambientais de Bruxelas, antes previstas para outros fins”;

– O início (ao menos, o início!) da reformulação da escala da propriedade florestal e a melhoria da sua gestão – temas em que todos pareciam estar de acordo – não terá um cêntimo adicional no Orçamento para 2018 porque “o quadro legal para essa mudança não foi ainda definido e, por isso, não existe” e porque não há (nunca há…) dinheiro para tudo…!

Resumindo:

A famosa Reforma Florestal vai fazer-se sem qualquer músculo financeiro associado, as medidas de fundo não foram, afinal, tomadas e as prioridades e compromissos políticos não passam pela floresta!

Já todos vimos ou lemos as promessas sobre os “esforços financeiros” previstos para 2018: desbloqueamento de (algumas) carreiras e integração dos “precários” na função pública, mais dinheiro para (alguns) funcionários do Estado, menos IRS… para (quase todos) os funcionários públicos, mais meios para o combate aos fogos, transformação progressiva dos sapadores florestais em funcionários camarários e até recuperação das casas dos guardas florestais e reconstituição dessa guarda (sic!), etc.

Até vimos (e lemos nas caixas multibanco) um “convite” (farsa, aliás, em moda em muitos sítios) solicitando propostas para um chamado Orçamento Participativo destinado a repartir pouco mais de três milhões de euros!!! Mas não é para tomar essas e outras decisões que os executivos são eleitos? No limite, colocava-se a totalidade das verbas do Orçamento num “orçamento participativo” e já ficavam contentes os portugueses necessários para ganhar as eleições seguintes (partindo daquele velho provérbio “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte…”).

Mas, caros leitores: quem já viu ou leu algum deputado ou partido (de todas as cores) perguntar onde estão, no Orçamento para 2018, os meios necessários para alterar o actual declínio da floresta e dos seus produtos (tangíveis e intangíveis) (1)? Ou porque não, no caso de Pedrógão, reclamar verbas do OE para alavancar/multiplicar, complementando-os, os donativos já disponibilizados pela sociedade civil? Quem, nos meios políticos e nos “fazedores de opinião” – que nos encheram de lágrimas de crocodilo após Pedrógão – perguntou onde está a prioridade da floresta no Orçamento para 2018?

Ou será que o dinheiro anterior era suficiente mas estava “apenas” escandalosamente mal distribuído e aplicado?

Seguramente que, se o assunto fosse (ou tivesse passado a ser) prioridade nacional – como nos foi “cantado” até às primeiras chuvas de Setembro –, essas verbas teriam de existir e ser bem visíveis na proposta de OE para 2018.

Mas não são!

Quantas mais pessoas precisam de morrer e quantos mais milhões de euros precisam de ser destruídos para que a classe política – a que nos governa e a outra – se disponha a usar bem o nosso dinheiro?

 

(1) Para quem julga que o sector florestal (e, nalguns casos, pelo menos uma das suas empresas) é um pequeno gueto folclórico de agrários e celuloses, é bom que se recorde que o sector “vale” para o país, em todas as valências comparáveis, muitas Autoeuropas.

 

Antigo secretário de Estado das Florestas (Outubro 2003/Julho 2004)

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990