Banco(inho) de Portugal


Muitos dirão que o problema não é o governador mas o poder político. Afinal foi um governo do PS quem o nomeou e foi um governo do PSD quem o reconduziu. Dois erros seguidos que fundearam, ainda mais, o desprestígio do BdP em tempos anteriores


“Importa ter presente que o Banco exerce um conjunto alargado de funções que vão além das tipicamente assumidas pela generalidade dos bancos centrais. De facto, entre 19 bancos centrais nacionais da área do euro, apenas sete – incluindo o Banco de Portugal – desempenham, em exclusividade todas as competências decorrentes da sua missão de salvaguarda da estabilidade financeira (supervisão prudencial, supervisão comportamental e resolução). Este facto, tal como o destacamento de colabores em instituições nacionais e internacionais, tem um impacto óbvio na evolução do número de efetivos do Banco”.

A pergunta que se coloca é simples – o que terá levado a que 12 Estados não tivessem concedido ao seu banco central todas as missões de salvaguarda e estabilidade financeira? E o que terá levado Portugal, tendo em conta a realidade penosa dos últimos anos, a conceder o pacote total ao Banco de Portugal (BdP)?

O governador do BdP é uma personalidade interessantíssima e que deveria merecer uma leitura profunda para a adequação ao lugar. Não nego o seu percurso, a sua visão clássica das questões da finança, não lhe retiro um conhecimento dos agentes, os que se salvaram e os que nos afundaram, em todos os grandes bancos portugueses. O que me inquieta é a sua leitura desfasada do papel dos bancos centrais num tempo de volatilização da decisão, de interpenetração de poderes, de leitura mundana das questões que se prendem com a gestão de interesses, da ausência de uma perspetiva de organização institucional menos hierarquizada e menos burocrática mas mais exigente e mais afirmada.

Muitos dirão que o problema não é o governador mas o poder político. Afinal foi um governo do PS quem o nomeou e foi um governo do PSD quem o reconduziu. Dois erros seguidos que fundearam, ainda mais, o desprestígio do BdP em tempos anteriores.

O BdP observou, nas últimas décadas, um anátema que o prejudicou – quase todos os seus governadores e alguns dos seus vice-governadores exerceram funções governativas na área das finanças. Esse mal, implicando política, por vezes partidos, com regulação e supervisão, transferindo-se de lugar como que se tratasse de um prémio, foi nefasto para o país.

Mas olhemos agora o BdP numa leitura sobre as suas competências, ação e estrutura. O governador diz bem, o banco central português é um dos campeões das responsabilidades públicas. Mas isso tem sido vantajoso? De todo! A leitura que Portugal faz sobre a supervisão e sobre a resolução deve merecer uma discussão profunda. O Banco de França observa uma estrutura autónoma da autoridade de supervisão e resolução. Esta realidade tem permitido, mesmo que dirigida pelo governador, uma maior autonomia, uma crescente afirmação e uma melhor sustentação da decisão. Portugal estaciona.

O Banco de Espanha afirmou-se numa presença permanente na componente auditoria e inspeção, forma correta de prevenir uma nova derrocada do seu sistema financeiro. Em Portugal não se encontra, em qualquer documento do BdP, uma referência desenvolvida, pensada, comprovada internacionalmente, no que diz respeito à valorização interna das funções de auditoria e as funções de inspeção são mínimas.

O Banco de França aposta, de forma intensa, na literacia financeira e no apoio ao “consumidor”. Sabemos até quantas reclamações foram atendidas, quantas mereceram sequência, quantos processos de contraordenação seguiram. Nesta matéria o BdP disse pouco e quem o faz são entidades de outros ministérios.

O Banco de Espanha assusta-se com a atitude dos bancos relativamente às “comissões” por intermediação e representação. Esta área é relevante para o mercado, é determinante para os clientes, é obrigatoriamente motivo de intervenção na perspetiva da concorrência. Portugal olha ao longe.

O Banco de França acompanha e intervém com estrondo público na volatilização da atividade financeira, na digitalização das relações entre entidades financeiras e de outra natureza, na desmaterialização de procedimentos, na partilha de suportes entre países de diversos espaços monetários e comerciais. Em Portugal esta matéria observa notas de rodapé.

Mas há aquele universo em que nos encontramos sempre – a lamentação pelos recursos. Na leitura que faço sobre os bancos centrais fico sempre inquieto. Nunca encontro uma resposta para justificar a necessidade de Portugal ter dois vice-governadores do BdP e Espanha ter um; nunca descubro porque é que o BdP tem na sua direção executiva seis altos dignatários e em Espanha só três; nunca descortino a razão que leva a que Portugal tenha dezoito dirigentes de primeiro grau e em França só existam nove.

Mas há ainda uma outra leitura provinciana das funções internas ao BdP. A Comissão de Auditoria é chefiada por Costa Pinto, um ex-presidente de instituição regulada, ex-quadro do mesmo BdP, até afirmando que no “banco” foi quase tudo menos contínuo e governador. Mas a leitura que o governador tem sobre a Comissão de Auditoria vai ao ponto de achar que as funções de auditoria e de administração são coisas do mesmo saco e que Ana Paula Serra, outro dos membros do Conselho de Auditoria, tanto pode ser auditora num dia como administradora no dia seguinte. Tenho pena que o Governo tenha concordado…

O BdP comporta agora um novo ente que se afirma como Conselho Consultivo. Integram esse ente diversas personalidades incluindo os antigos governadores. Mas há um elemento que demonstra como há pouca reflexão na construção dos diplomas orgânicos dos reguladores. Quem preside a esse conselho é o governador, ou seja, o governador preside a tudo o que mexe e controla tudo o que aparenta ainda ter autonomia.

Quando o governador solicitou a João Costa Pinto uma avaliação sobre o comportamento do BdP no processo BES só deveria ter tido uma resposta – Não! Mas Costa Pinto fez a averiguação, apresentou o relatório e de tudo isto só se conhecem as conclusões. Ficou manietado. O princípio da auditoria, interna ou externa, deve sempre levar a um conhecimento do que falhou, mas medidas propostas, das correções feitas, das alterações de funcionamento e de estrutura. O BdP e o seu governador nada disso fizeram. Porque Carlos Costa é um agente que não sabe qual é o seu papel no tempo de hoje, porque o BdP, com ele, não ganha independência mas perde credibilidade.