Palavras que matam (de riso)


O Verão trouxe-nos mais um capítulo das guerras de Alecrim e Manjerona em torno do politicamente correcto


O Verão trouxe-nos mais um capítulo das guerras de Alecrim e Manjerona em torno do politicamente correcto. Mas há pelo menos uma área em que o edulcorar das palavras tem uma dimensão terapêutica. No mundo das relações laborais há muito que se tentou melhorar o bem estar dos empregados sem aumentar a folha de vencimento. Aos anos que os técnicos de gestão de resíduos, que tinham substituído os varredores, passaram a gestores de sustentabilidade.

Nesta como noutras áreas, a língua portuguesa procura acompanhar, com atraso, os progressos anglo-saxónicos. No mundo da novilíngua laboral tenho as minhas preferências e ficaria feliz se a Academia das Ciências nos pudesse ajudar no esforço de enriquecimento da língua pátria. Uma das expressões que ocupa um lugar destacado nas minhas escolhas para o integrar o Olimpo das funções estranhas é “wet leisure assistant”. O leitor amigo escusa de ruborizar, sonhando com imagens lascivas, encimadas por uma tripla bolinha vermelha no canto superior direito do ecrã televisivo, numa versão proibida da Casa dos Segredos. Não, caro leitor, “wet leisure assistant” é, na Pérfida Albion, o nome dado ao banheiro, aquilo a que na versão Atelier de Tempos Livres à beira mar para jovens de ambos os sexos, corresponde, pela Lusitânia nos dias de hoje, aos nadadores salvadores. Imagine o anúncio nos classificados do Correio da Manhã divulgando uma vaga para “assistente de divertimentos húmidos” e, sem forçar a imaginação, imagine também o colorido dos curricula, acompanhados de fotografias de corpo inteiro, que serão apresentados pelos candidatos à função.

O destemor perante o ridículo faz com que pelo menos uma multinacional do fast food baptize os desgraçados que de luvas de plástico nas mãos barram as sandes como sendo “artistas da sanduíche”. A legítima defesa impõe-se: Picasso deve ser rapidamente desgraduado e de artista passar a azeiteiro.

A criatividade na atribuição de designações estranhas a certas actividades tem por base uma vontade de aldrabar não só o profissional como os os utilizadores menos avisados. Um “Deus das soluções informáticas” é aquilo que esperamos encontrar quando o computador iniciou uma greve selvagem e não reage aos gritos ou ao pressionar das teclas. E, claro, quando se precisa verdadeiramente de um Deus das soluções informáticas, a loja da assistência técnica dispõe apenas de um adolescente borbulhento e profundamente desinteressado pelos males que assolam o nosso computador.

Não se julgue que a criatividade se fica pelo sector privado. A imaginação não conhece limites e aguardo com expectativa por um qualquer elenco governamental que nos proponha a Fada Madrinha dos Desejos dos Cidadãos (Primeiro Ministro), o Gentil Organizador das Contribuições para o Bem Estar de Todos (Ministro das Finanças), o Ninja do Tempo Perdido (Ministro da Reforma Administrativa), o Grande Arquitecto das Causas Perdidas (Ministro da Justiça), o Guru da Luta de Classes (Ministro do Trabalho), o Facilitador da Solidariedade Intergeracional (Ministro da Segurança Social),…

A concorrência é feroz e poucos podem apostar na simplicidade e numa descrição sucinta da actividade profissional. Francisco, Papa. Madona, rockstar. Mau exemplo. Como é que Madona prova que é uma estrela do mundo da música? O Google translate não ajuda e desconfio que a Alfândega do Aeroporto de Lisboa também não se comove com o título traduzido para “Nossa Senhora”…

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990