Não foi nem será assim, por decreto


É esse “come a papa” que tem feito com que, estando aos olhos de todos que algo não bate certo, se continue a achar que está tudo bem, enquanto se batem recordes de dívida pública, a realidade desmente algumas narrativas e se correm demasiados riscos com questões importantes para as pessoas e para o crescimento…


2015 António Costa: “Virou-se a página da austeridade”.

2015 Mário Centeno: “A austeridade em Portugal chegou ao fim”.

2017 Manuel Caldeira Cabral em entrevista ao El País: “Acabámos com a austeridade”.

A presunção, a água benta e os decretos cada um toma os que quer. O espantoso em toda a retórica política a que se assiste é ter um governo a proclamar o fim da austeridade, constatar-se o nível de cativações para que se cumpram objetivos da austeridade e vislumbrar a agitação que grassa nos apoiantes da solução governativa para extraírem dividendos de um crescimento que não está diretamente associado às soluções viabilizadas. Não foi induzido pelo consumo privado, não foi catalisado pelo investimento público, não resultou de nenhuma das opções de fundo que não sejam o crescimento do turismo e das exportações, num quadro de legislação laboral que é anterior a 2015.

O espantoso é que as mesmas proclamações ou decretos do governo suscitem atitudes totalmente diferenciadas, condescendente com o primeiro ministro e o ministro das finanças, intolerante com o ministro das finanças, logo objeto de setas para baixo e outros distrates por abuso de euforia. Essa condescendência, essa falta de escrutínio a par da falta de assertividade da oposição tem feito com que muito papem tudo.

É esse “come a papa” que tem feito com que, estando aos olhos de todos que algo não bate certo, se continue a achar que está tudo bem, enquanto se batem recordes de dívida pública, a realidade desmente algumas narrativas e se correm demasiados riscos com questões importantes para as pessoas e para o crescimento económico.

A falta de liderança nos incêndios de Pedrógão, na identificação de responsabilidades políticas e na retirada de conclusões só podia prosseguir em novela com a confusão instalada sobre os donativos dos portugueses, na frustração das expetativas de quem foi afetado e de quem está no terreno a tentar reerguer-se da maior tragédia em incêndios florestais na história da Democracia portuguesa. Neste tipo de ocorrências graves, é fundamental que as respostas de reposição das situações sejam agilizadas. Relembro-me no fenómeno meteorológico extremo que aconteceu na região Oeste de Lisboa em 23 de dezembro de 2009, era então governador civil do distrito de Lisboa, como foi importante ter um Ministro da Agricultura, António Serrano, determinado em repor a capacidade produtiva da região no menor tempo possível. Em menos tempo do que o que já decorreu em relação a Pedrógão Grande (três meses e 22 dias), conseguiu mobilizar vontades e desmobilizar a burocracia para que o governo, três meses depois, assinasse com os agricultores da região do Oeste 45 contractos, no valor de 2,4 milhões de euros, nos quais o Estado apoiou com um montante de 1,8 milhões de euros (75 por cento do total). A intempérie foi a 23 de dezembro de 2009 e a 24 de fevereiro de 2010, já boa parte da capacidade produtiva estava reposta, no final, a região ficou com maior potencial hortofrutícola.

Mas regressemos à austeridade. É uma evidência que a austeridade não acabou nem vai acabar. Que continuamos sob vigilância apertada dos credores e que o bodo é insuficiente para as expetativas dos apoiantes da solução governativa. É uma evidência que a conversa do PCP e do BE não bate certo com a do governo, havendo o risco de se agravar com o tempo. Agora as tensões, reivindicações e afins têm os olhos nas eleições autárquicas, depois destas terão os níveis de ruído que resultarem dos resultados eleitorais obtidos pela à esquerda à esquerda do PS. Também por essa via, apesar de locais, as eleições de 1 de outubro terão leituras e consequências nacionais. Não na banda larga da viabilização da solução governativa, mas na banda estreita.

Sabendo-se quão voláteis podem ser os resultados que não dependem exclusivamente da vontade própria ou mobilizável, a política por decreto só pode conduzir a riscos desnecessários de ilusão ou de geração de expetativas não concretizáveis, aos apoiantes da solução governativa e, pior, ao povo português.

Não devia ser assim, mas é. E não havia necessidade.

NOTAS FINAIS

República descuidada. Os vistos Gold, além da espuma dos aproveitamentos ilegítimos, tiveram e têm uma grande importância na captação de investimento estrangeiro e de dinamização do setor imobiliário. Não se compreende que possam existir reconhecidas insuficiências no SEF e ninguém gere soluções para os bloqueios. Estamos em início de setembro só haverá marcações para novembro. Não há ninguém no governo com dois dedos de testa que veja que é uma situação que prejudica o País.

República Deslaçada. Custa a crer que o governo possa ter escolhido uma nova liderança para as secretas sem ter articulado com o maior partido da oposição. Logo agora que queria ou quer consensos para as obras públicas e tem a marinar há meses eleições no parlamento a exigirem 2/3.

República das Bananas. O futebol é mesmo um espetáculo. O Presidente da Federação Portuguesa de Futebol é do Porto. O Presidente da Liga foi uma escolha de Porto e Sporting. O Presidente da Entidade para a Comunicação Social é do Porto. Toda esta gente assiste impávida e serena, aos programas do Cabidelas e dos Sarrabulhos que, no Porto Canal, reeditam as Conversa em Família, com a agravante de recorrerem à divulgação de produtos de furto em manifesta violação de correspondência privada. Prosseguem ao vivo e com imagem, com a mesma escola de crime que tendo estado presente nos casos do Apito Dourado e dos Seguranças Privados ilegais em áudio, agora tem expressão de imagem. Urbi et Orbi. Cabidelas e Sarrabulhos, à terça, os recetadores comprovam o crime com imagem a cores.

 

Militante Socialista

Escreve à quinta-feira