The National. “A América pode estar em conflito mas estas lutas são interiores”

The National. “A América pode estar em conflito mas estas lutas são interiores”


Quatro anos depois de “Trouble Will Find Me”, o desconforto confortável está de volta. “Sleep Well Beast” mede forças com demónios interiores. A América de Trump é real mas no reino dos The National manda a poesia


Do outro lado da linha, em Cincinnati, Bryan Devendorf está a pôr-se em forma para a digressão que arranca esta sexta-feira, dia em que “Sleep Well Beast” sairá para a rua para espantar espíritos e devolver a fé no mundo que a poesia contém. No circuito do  rock, o baterista costuma ser o elo mais fraco da promoção. Aquele que raramente é capaz de transpor a fasquia do músico e relacionar as canções e os álbuns com  o explicar o mundo. O seu mundo.

O baterista da bandana dos The National é antítese desse protótipo. Foi discípulo de Steve Earle, não o trovador elétrico, mas o homem das baquetas da banda de rock alternativo Afgan Whigs, e trabalhou como editor literário na Soho Press. É irmão do baixista e multi-instrumentista Scott Devendorf – os dois e Benjamin Lanz, músico da fanfarra Beirut – são os LZNDRF mas é dos The National que aqui estamos para falar. Há sangue de família, suor a pingar sob as altas luzes do palco, o altar rock’n’roll. E lágrimas quando as canções desarmam a vida à média de quatro minutos e deixam as respostas sem pergunta. Como em “Guilty Party”, sobre as cordilheiras do casamento do vocalista Matt Berninger, escrita a quatro mãos com a mulher. E álcool, muito, na rega da relação. Álibis para explicar o romance com Portugal que motivará um reencontro tão aguardado quanto o facto de os bilhetes para o concerto de 8 de Outubro no Coliseu dos Recreios terem esgotado em poucas semanas. 

Chegaram ao sétimo álbum. Já se sentem na zona de conforto da meia–idade ou ainda procuram correr riscos e desinstalarem-se ?

Tentamos sempre elevar a fasquia. Melhorar a experiência de ouvir um álbum. Neste, incorporámos novos sons. A exploração eletrónica é mais audaz. Trabalhámos com caixas de ritmos e programações. Acho que isso se nota bastante. Também explorámos outros pedais de guitarra. Sons que ainda não tínhamos tentado. Mas sim, por outro lado somos nós a aproveitar a sorte de podermos fazer isto da forma que gostamos sem nos preocuparmos demasiado. Nesta fase da vida, somos uns privilegiados. Só queremos fazer música e não estragar aquilo que já conquistámos. Não queremos vender um milhão de discos nem vamos mudar quem somos.  

“Sleep Well Beast”, tal como toda a obra dos The National é sobre o mistério das relações humanas. Como é que se gere uma banda de velhos amigos de infância em que há duas famílias envolvidas?

Raramente falamos sobre isso. Já estamos juntos há tanto tempo. Somos muito francos uns com os outros, o que ajuda muito. Estamos sempre a contar piadas. Acima de tudo, queremos o melhor uns para os outros. Posso falar pelo Matt  [Berninger], pelo Bryce e pelo Aaron [Dessner] e pelo Scott.

“Guilty Party” é sobre os abalos no casamento do Matt Berninger, embora ainda esteja junto com a mulher. É nesse limbo entre a depressão e o otimismo que se sentem cómodos?

Confirmo, o Matt e a mulher ainda estão juntos. Essa pergunta talvez ele pudesse responder melhor, mas há sempre dois lados da questão. A escuridão e a claridade. Tudo passa por aceitar a realidade. Compreender o que está de cada lado. Podemos aliviar as emoções através música mas é uma questão muito pessoal. Não sei…

As canções de perda e desgosto podem funcionar como terapia?

Sim, concordo. As canções podem ser uma experiência catártica de libertação. Até na forma como são construídas. Na forma de dizer também está o sentir. Tentamos não seguir o caminho óbvio. Se queremos transmitir determinado tipo de emoção, não o expressamos da forma mais direta. Procuramos metáforas para o dizer de forma diferente. Isso não acontece apenas com as palavras. A utilização de um determinado tipo de som, ou a parte da canção em que é usado, também pode ser determinante na criação desse efeito.  

Como é que se sentem em relação à América de Trump. Envergonhados ou estimulados pela necessidade de uma reação?

Hum, nós não gostamos de escrever canções políticas clássicas. Não queremos impor ideias a ninguém. Por outro lado, é uma oportunidade, de facto. O Presidente galvanizou muita gente a reagir, a criar. O problema é que fomos invadidos pela repetição de uma mensagem. Isso gera sufoco quando, por vezes, a luta parte de dentro de cada um. 

Demónios interiores.

Sim, conflitos internos. Essa é a minha interpretação. É claro que as pessoas podem ler de outra forma e pensar em Donald Trump como a “beast”. Não há dúvida que são tempos difíceis. A América pode estar em conflito mas estas lutas são interiores. 

Como explica que uma banda como os The National se tenha tornado tão grande? 

Penso que as letras do Matt são muito apelativas. Culturalmente, são transcendentes. E chegam a vários públicos, sendo muito profundas. Não só o mais intelectualizado. Não fazemos música pop mas sentimo-nos bem no circuito de festivais. Lembro-me bem de há uns anos termos feito o Super Bock Super Rock. 

A relação com Portugal é diferente da que têm com outros países?

Sim, muito. Não sei explicar…Talvez seja porque os portugueses se reconheçam no tipo de emoções que há na música dos The National. No concerto do Coliseu, vamos voltar a canções antigas que já não tocávamos há bastante tempo. E apresentar o novo álbum. Uma parte do alinhamento é “acústica”. E temos uma nova projeção vídeo, muito envolvente. Não consigo explicar bem o que é mas estão quase a poder vê-la.