The end, Prof. Teodora Cardoso


O Conselho de Finanças Públicas caminha, a passos largos, para a sua liquidação. Faz o mesmo que a UTAO, mas pior


Se analisarmos bem o parecer do Conselho de Finanças Públicas (CFP), sobre o Orçamento do Estado para 2017, encontraremos muitas coincidências com o cenário dantesco de João César das Neves em “As 10 questões do colapso – Portugal: A provável derrocada financeira de 2016/2017” (D. Quixote).

Trata-se de uma visão marcadamente ideológica, assumida pelo CFP nos últimos anos, uma cópia fiel de doutrinas que mostraram a sua falibilidade.

O antigo Presidente da República, Cavaco Silva, afirmou, na Universidade de Verão do PSD, que importava manter o CFP e garantir a sua independência. Ora, tendo ele próprio ajudado a formatar este conselho, calculará que importe, talvez, a sua ponderação enquanto ente estranho no contexto dos poderes públicos portugueses. Mas sobre isto, há uma história que importa apreçar.

O Banco de Portugal (BdP) é um agente peculiar. Tal circunstância tem levado a que muito do que se constata, relativamente à insanidade das contas públicas ou da vida do sistema financeiro, vá passando para novas realidades institucionais, para outros entes motivo de criação política.

A posição fulcral na certificação dos défices de 2002 e de 2005, ou o posicionamento relativo aos tempos prévios da chegada da troika e da aceitação do memorando de assistência financeira, ajudaram à criação sucessiva da Unidade de Apoio Técnico Orçamental (UTAO), pela Assembleia da República em 2007, e o Conselho de Finanças Públicas, pelo Governo em 2011.

Quando a U.E., através do regulamento 473/2013, determinou que cada país tivesse um organismo independente que promovesse uma avaliação das contas públicas, numa leitura sobre a sua coerência e sustentabilidade, Portugal já tinha duas equipas a trabalhar em paralelo. Mas, nessa altura, o CFP também já tinha desrespeitado, reincidentemente, o regulamento em questão, em especial o Considerando 10, que refere “O anúncio de previsões macroeconómicas e orçamentais enviesadas e irrealistas pode prejudicar consideravelmente a eficácia do planeamento orçamental e, consequentemente, comprometer o respeito pela disciplina orçamental”.

A UTAO é a entidade certificadora mais amiga das instituições internacionais do que qualquer conselho politicamente influenciado. E é por isso que nunca existiu, dentro ou fora do parlamento, qualquer tentativa para a sua limitação ou desvalorização. Acontece que a configuração do CFP assume hoje muitas interrogações e indica que este ente caminha, a passos largos, para a sua liquidação.

O CFP faz o que faz a UTAO, mas a UTAO faz melhor do que o CFP. Em primeiro lugar porque a UTAO tem pessoal mais qualificado, em segundo lugar, porque não cedeu à tentação da exposição pública, em terceiro lugar porque não indica opções ideológicas ou partidárias, garantindo sempre a sua análise na perspetiva técnica e no rigoroso enquadramento nacional e comunitário.

Os órgãos do CFP nascem sempre de uma proposta conjunta entre o Banco de Portugal e o Tribunal de Contas que o Governo valida ou não. Ou seja, os entendimentos conjunturais que se verificam, entre entidades com vocações e enquadramentos tão díspares, são de molde a criar instabilidade e penhoram o desprestígio da instituição. Acresce que o CFP não é um conselho, é um órgão de estudo com participação de personalidades que, à distância, avaliam os dados carreados. A comissão executiva é assumida pela presidente e por um vogal permanente, não acautelando uma fluidez cuidadosa e transparente dos processos de análise.

O CFP tem um outro problema que se assumiu, também, na criação da CRESAP. O protagonismo assumido pelas lideranças, o ego e a obsessão pela certeza pessoal, negam a boa saúde da instituição, transportam para a mesma entidade as reações conjunturais relativas à exposição pública de quem lidera. Teodora Cardoso não é hoje a presidente do Conselho de Finanças Públicas, é, sim, ela própria transportada para a instituição que dirige.

A suspeição relativa à qualidade da análise técnica do Banco de Portugal, assumida em 2002 e 2005, não desapareceu. Reforçou-se mesmo com toda a instabilidade e inoperância que se veio a inventariar no sistema financeiro e no comportamento do supervisor perante a ilegalidade e a má gestão. Também se não reforçaram as considerações de qualidade que o BdP assume perante as entidades europeias.

Há, ainda, a forma resignada que, comparativamente com outros Bancos Centrais, exibe perante o diretório do BCE. É um tributo à não preocupação com o interesse nacional de assegurar a especificidade do sistema financeiro português. Estas circunstâncias não autorizam, como no passado, valor facial às previsões do BdP.

Mas o que fazer com este emaranhado de competências cruzadas? A única decisão que importa assumir é a da eliminação do CFP e a transferência dos seus recursos para a UTAO. A UTAO, por sua vez, pode ver reforçado o seu fluxo de avaliação, integrando, numa estrutura de consulta, personalidades nacionais e internacionais de relevante percurso técnico/académico.

O CFP não é um regulador ou supervisor. Mas é uma autoridade administrativa independente que se sobrepõe a outras e que faz com que este nosso retângulo se cruze com inúmeros protagonistas mas poucos responsáveis. O accountability é, e tem sido desde sempre, zero, apesar dos enormes impactos económicos e financeiros que as suas posições tiveram e podem continuar a ter. O retorno da sua ação é muito negativo. Também neste cosmos os portugueses não dizem do conhecimento das enormidades que, no universo macro, se fazem nas costas deles.

 

Deputado do Partido Socialista