George Glass: o embaixador dos EUA de Trump já está em Portugal. E agora?


George Glass vem do Oregon, estado do noroeste norte-americano, próximo da Califórnia – é, pois, um republicano de terras marcadamente democratas. É um conservador em estado liberal


1. Foi confirmado no início do presente mês pelo senado norte-americano como embaixador dos EUA no nosso país e já apresentou a carta credencial ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa na passada sexta-feira: George Edward Glass é oficialmente o novo embaixador dos Estados Unidos em funções em Portugal, colmatando, desta forma, o vazio que se prolongava desde a tomada de posse do presidente Donald J. Trump.

2. O nome é sugestivo: o nome George Glass é icónico na cultura popular norte-americana. É impossível não recordar o mítico episódio da série “ The Brady Bunch” em que a menina Jan Brady (interpretada por Eva Plumb, na década de 70) estava desolada porque a sua paixoneta de liceu a trocou por outra colega – e, em resposta a uma tentativa de seus pais para a animar, Jan responde que já tem namorado – seguidamente baptiza o seu namorado imaginário como “George”. Estupefactos, os pais questionam: “ George what?” – Jan, avistando um copo pousado na mesa diante de si, não desarmou: “ George Glass” (que significa copo em inglês). Esta cena tornou-se tão popular nos EUA que praticamente todas as gerações a conhecem – havendo mesmo sido replicada recentemente na série da ABC “ The Goldbergs”, sendo a frase de Jan Brady sido proferida pela personagem Erica Goldberg, protagonizada por Hayley Orratia (em exibição, em Portugal, na FOX).

3. Dito isto, quem é então George Glass, o primeiro embaixador “ Great Again” em território pátrio? Empresário do ramo imobiliário, proveniente do estado do Oregon, Glass foi apoiante político e financeiro do presidente Donald J. Trump. Apesar de ter logrado um muito apreciável sucesso no mundo do mercado imobiliário e como gestor de fundos de capital de risco, George Glass assume que é outra a sua vocação – a de difusão do ensino católico nos Estados Unidos e em outros pontos do Globo. Para prosseguir tal fito, o novo embaixador “Great Again” constituiu, juntamente com sua esposa, uma Fundação (a George and Mary Glass Foundation). Para além de tudo isto – e não menos relevante, sobretudo em termos políticos –, George Glass é amigo pessoal de Donald Trump e pessoa da sua confiança.

4. Até porque partilham a paixão pelo mercado da construção civil e do imobiliário – além de comungarem a mesma perspetiva política quanto ao futuro mais próspero dos Estados Unidos da América. No essencial, porque a comunhão não era total – como nunca é, pois mesmo entre cidadãos crentes no mesmo credo político, verifica-se sempre uma margem de divergência e dissenso. Mal seria se assim não fosse – a adesão a um partido, a um movimento não significa uma alienação do pensamento crítico e uma apagamento da personalidade própria. Efetivamente, enquanto Donald Trump preparou a sua candidatura à luz da nova envolvência política e social norte-americana, após o término de oito anos de “doutrina Obama”, capitalizando o descontentamento do povo face à incompetência dos políticos para resolver os problemas mais prementes do seu quotidiano e a inquietude sobre o seu futuro, individual e coletivo – George Glass é estruturalmente um republicano.

5. Um apoiante empenhado do GOP, não sendo tão estridente nas críticas contra o establishment do partido quanto foi Donald Trump. E não é um populista – é um conservador clássico, defensor do “ governo limitado”, redução da carga fiscal, do império da lei (law and order) e da honestidade na gestão dos assuntos públicos. Partilha, aliás, com o perfil típico do eleitor republicano o gosto pela natureza – poderia, pois, ser adjetivado como um “red neck”. Esta qualificação, erradamente tida como ofensiva pelos tradutores portugueses, é um elogio: os “red neck”, os habitantes dos estados mais interiores dos EUA, constituem uma parte crucial do património cultural e ideológico norte-americano. Foram eles (também) que construíram a grandeza da América, em períodos críticos desta ilustre Nação, defendendo os valores desde sempre – e para sempre! – na Constituição federal.

6. O que explica a afinidade de George Glass com o presidente Trump? Julgamos que o critério decisivo foi o conhecimento prévio e pessoal do cidadão e empresário Donald Trump – Glass era um conhecedor privilegiado das qualidades, escondidas ou não tão visíveis na comunicação mediática, de Trump. Tais virtudes, no juízo de Glass seguido por milhões de cidadãos norte-americanos, podem ser muito profícuos no atual momento histórico vivido pelos EUA. Se o grande desafio é económico, quem melhor do que Donald Trump para ocupar a Casa Branca, e não um político profissional?

7. Por outro lado, sendo George Glass um conservador clássico, as suas prioridades políticas passariam sempre por uma inversão na política fiscal e económica da Administração Obama: diminuir o capital absorvido pelo Estado, libertando recursos para a iniciativa privada de molde a promover o empreendedorismo, o génio criador norte-americano. Ainda que tal implique uma restrição superior à que tem sido convencional nas últimas décadas na liberdade de comércio internacional: mesmo entre os conservadores clássicos norte-americanos, há uma inquietação cada vez menos silenciosa concernente aos prejuízos que os EUA têm sofrido com a atual arquitetura institucional e legal do comércio mundial.

8. Em terceiro lugar – e não menos relevante – George Glass apoiou Donald Trump baseado na sua promessa de nomear um juiz conservador para o Supremo Tribunal dos EUA, ocupando o lugar deixado vago pela morte do juiz Antonin Scalia. Ora, sendo Glass um católico convicto, preocupado com a plena garantia jurídico-constitucional da liberdade religiosa, a eleição de novembro passado não era irrelevante: Hillary Clinton teria nomeado Garland, o jurista que já havia sido indicado por Obama – seria, destarte, um juiz progressista, vindo dos setores da esquerda americana. O presidente Donald Trump acabaria por nomear Neil Gorsuch, juiz de méritos amplamente aclamados e cujas convicções se reconduzem aos ensinamentos fundacionais da Igreja Católica.

9. Comparando o perfil do embaixador George Glass com o dos embaixadores norte-americanos anteriores, podemos retirar as seguintes conclusões:

1) George Glass vem do Oregon, estado do noroeste norte-americano, próximo da Califórnia – é, pois, um republicano de terras marcadamente democratas. É um conservador em estado liberal. Já Robert Sherman vinha do estado de Massachusetts, sendo um democrata em terras democratas, enquanto Allan Katz vinha da Florida, sendo um democrata num estado oscilante (“swing state”: ora é maioritariamente democrata, ora é maioritariamente republicano). Política e geograficamente mais próximo de George Glass era Thomas Stephenson (nomeado pelo presidente George W. Bush – também um conservador clássico, oriundo da Califórnia… estado amplamente democrata;

2) George Glass é um empresário, vindo do setor privado e do mercado predileto do atual presidente dos Estados Unidos da América – quer Allan Katz, quer Robert Sherman, diferentemente, eram advogados e professores de Direito (tal como o presidente dos Estados Unidos que os nomearam: Barack Obama era advogado e professor de Direito). Ou seja: há uma identificação entre o percurso profissional entre o presidente norte-americano em exercício de funções e os últimos três embaixadores nomeados para o nosso país. A exceção é Thomas Stephenson – este provinha do setor financeiro e de Sillicon Valley antes de exercer funções diplomáticas no nosso país;

10. Chegados aqui, questiona-se: como será o estilo do embaixador George Glass? Historicamente, temos dois modelos – o modelo mais próximo, mais de contacto direto com o povo português, menos institucional e mais mediático (como foi o do embaixador Robert Sherman); ou o modelo mais institucional, mais reservado, mantendo contacto com o povo português apenas em ocasiões especiais. Quanto a nós, antevemos que o embaixador George Glass tenderá numa primeira fase a adotar uma postura mais comedida, mais institucional, mais defensiva – o que também é compreensível, face à histeria de alguns políticos portugueses (que não o povo português) contra Trump. Numa fase posterior, no entanto, estamos em crer que tudo se normalizará – o que vai relevar é a imensa amizade e laços histórico e afetivos que unem as nossas duas nações. Até porque Glass – o que não sucedia com os seus antecessores – já esteve em Portugal, conheceu Portugal, mesmo antes de tomar posse do cargo. O embaixador George Glass escolheu Portugal porque sente afinidades várias com o nosso país. Este é um ativo de valor incalculável.

11. Lançamos, pois, o repto ao embaixador George Glass que não tenha medo, que mantenha o estilo próximo e presente com o povo português, que contribua ativamente (como irá, sem dúvida, contribuir) para o aprofundamento da interação económica, cultural e na área da defesa entre Portugal e os EUA – que o mesmo é dizer, entre os portugueses e os norte-americanos, pois não há Estados sem povos. Como não há povos, sem pessoas. E são as pessoas que determinam o futuro dos Estados – como a experiência político-constitucional dos EUA (nos) demonstra à exaustão.

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