A pepedização do Banco de Portugal


Nos últimos dias, o que aconteceu no BdP foi de uma enorme gravidade, mas a pasmaceira em que vivemos esqueceu rapidamente


O Banco de Portugal (BdP) é um agente cheio de aspetos interessantes no seu funcionamento. Merecia, por isso, uma investigação profunda sobre as “manias” de que se reveste, as excentricidades relativas ao seu funcionamento, até uma sindicância externa relativa às formas de contratação dos diversos recursos. Mas o país é o que é, qualquer ente que se queira bem, olhando o tempo prévio a uma aposentação dourada, sabe que só consegue obter umas beneméritas senhas de presença num qualquer órgão de instituição financeira se o Banco de Portugal se não opuser. Vai daí…

Nos últimos dias, o que aconteceu no BdP foi de uma enorme gravidade, mas a pasmaceira em que vivemos esqueceu rapidamente. Um diretor exonerado porque se verificou aquisição/alienação de participações depois de alguém aceder a informação privilegiada. Ou seja, nas barbas dos serviços a quem competia vigiar o comportamento dos quadros do banco, tudo foi posto em causa. O BdP diz-nos que essa coisa de fiscalizar as remessas para contas estranhas, de verificar os fluxos que implicam o terrorismo, é tudo uma ilusão. Nem a sua casa está a salvo.

O nome que nos apareceu foi o de Pinguinha Caliço, um ilustre desconhecido das notícias habituais sobre banca mas que, na qualidade de membro da comissão de ética, acreditou piamente na versão que lhe havia sido contada pelos colaboradores atrevidos, mas aparentemente santificados.

O BdP não dispõe, no seu site, de um acesso rápido à estrutura dirigente. Mas os mentideros dizem-nos muito da rotação e dos poderes que nele existem.

Uma primeira nota – Cadete de Matos, diretor de estatística e agora nomeado para presidente da ANACOM, Helena Adegas, diretora de gestão de risco, e Rui Carvalho, diretor de gestão de reservas, foram os únicos dos departamentos core a manter-se entre 2012 e 2016, os anos de convulsão. Sobre este último, agora exonerado, haverá muito a rezar.

Mas vejamos o que aconteceu nos setores fulcrais entre 2013 e 2016. No departamento de averiguações e ação sancionatória houve três diretores – José Nunes Pinheiro, Bracinha Vieira e João Raposo; no departamento de estudos económicos, também três diretores – Ana Sousa Leal, Isabel Rio e Isabel Horta Correia; no departamento de emissão e tesouraria, quatro diretores – António Pinto Pereira, Egrejas Francisco, António Garcia e Hélder Rosalino; no departamento de supervisão prudencial, dois diretores – Luís Costa Ferreira e Carlos Albuquerque; no departamento de serviços jurídicos, dois diretores – José Gabriel Queiró e Bento Antunes; no departamento de auditoria, dois diretores – Francisco Rocha e Cordeiro Gomes; no departamento de estabilidade financeira, dois diretores – Adelaide Joaquim e Maximiano Pinheiro.

Como pode um banco, carente de doutrina e de estabilidade, estar em permanente inconstância interior? A esta pergunta só se pode responder com uma certeza: a ausência de liderança.

O microcosmos interno do Banco de Portugal diz-nos outras coisas. A primeira é a de que há um antes e um depois de Hélder Rosalino (HR) e uma permanente influência de José Bracinha Vieira (BV). O que se poderá entender por estas marcas HR e BV que se foram alastrando?

Hélder Rosalino era um influente quadro do Banco de Portugal antes de assumir funções no governo do PSD com a pasta da administração pública. Estando no Ministério das Finanças, deveria ter guardado um período de reserva, mas não, foi imediatamente nomeado como diretor e, poucos meses depois, como administrador. Ele tem a rede, como alguns chamam – a teia laranja. Das ligações a essa teia fazem parte outros dirigentes há muito presentes – António Marques, diretor eterno dos sistemas de informação, José Pedro Ferreira, diretor eterno da contabilidade e controlo. Mas Rosalino tem uma apetência especial pelos recursos humanos, coisa que aumenta o seu poder e garante as entradas e saídas. Talvez por isso se tenha verificado a mudança, por duas vezes nos últimos dois anos, do diretor do departamento de recursos humanos: saiu António Garcia e entrou Manuel Cordeiro, que fica um só ano, para dar lugar a Pedro Raposo. Dividir para reinar com argumentos bondosos pelo meio…

José Bracinha Vieira foi sempre um influente quadro do BdP. Foi ele quem veio contestar, via redes sociais, a decisão do governo de melhor distribuir os dividendos do BdP, considerando-os um “saque”, mesmo que todos se tivessem esquecido que esses mesmos dividendos passaram de 19 M, em 2011, para 450 M em 2016. Vieira foi assessor, diretor, administrador do Fundo de Resolução que interveio no BES e é, agora, presidente liquidatário do Banif. Foi com o seu apadrinhamento que Sérgio Monteiro passou a tratar da venda do Novo Banco, processo que tem muito de inquietante.

Entre 2012 e 2016 é diagnosticado ao banco o chamado “abcesso do pasmado”. Trata-se da criação de novos lugares na estrutura para fazer face a compromissos de amizade. Sempre houve um secretário dos conselhos e um responsável pelo gabinete do governador. Entre Paulo Amorim e Sofia Abreu, os lugares rodaram. Acontece que a bronca BES levou a que José Gabriel Queiró tivesse de sair dos serviços jurídicos. O que aconteceu? Passou a secretário-geral do banco e secretário dos conselhos, a que se somaram mais duas direções – comunicação e conformidade, todos no universo da cabeça do BdP.

Há uma curiosidade: no BdP, dois terços dos dirigentes que saíram, em algum tempo, para lugares de nomeação política têm ligações ao PSD. Mas o que liga Pinguinha Caliço a Bracinha Vieira e a Sérgio Monteiro, e estes a Hélder Rosalino e a José Gabriel Queiró? As setas! Expliquemos. José Gabriel Queiró é marido de Maria dos Prazeres Beleza e foi indicado (chumbado depois) para o Tribunal Constitucional pelo PSD; Bracinha Vieira foi secretário de Estado do PSD no tempo de Cavaco Silva, autarca e membro do gabinete de estudos laranja; Pinguinha Caliço foi secretário de Estado de Santana Lopes e integrou a equipa de Catroga nas negociações prévias à troika; Hélder Rosalino é o chefe de turma, o homem que, esperto como um alho, garante que o banco central tem sempre portas abertas para os companheiros.

 

Deputado do PS