As entidades reguladoras portuguesas vivem dois tipos de comportamento que são identificados por quem com elas contacta ao fim de poucas reuniões formais. O primeiro tipo de comportamento é o que se prende com as “boas escolhas”. Na regulação há três universos de desempenho que são ótimos, do agrado de quase todos. O inicial universo é o da participação internacional. Se alguém se dedicasse a inventariar o número de dias que os técnicos de regulação passam em conclaves europeus, teríamos um enorme susto. O posterior universo é o dos estudos. Não há qualquer regulador onde os grupos de trabalho para reinventar a roda se não imponham ao cumprimento das diversas competências, a uma cabal verificação das atribuições lhe que estão entregues. O derradeiro é o dos relatórios. Este é mais interessante para a visão burocrática da função. E porquê? Porque basta substituir os indicadores perante células prévia e constantemente validadas, porque a inovação é sempre meramente incremental.
O segundo tipo de comportamento é o da rotina pelo não confronto. Na supervisão, a fuga à decisão drástica é a prática mais comum, a responsabilidade é assumida pelo despacho “à consideração superior”, a hierarquia e o tempo levam à perda da oportunidade de decidir e de atuar com vantagem.
Há uns dias, na semana imediata à divulgação, pela CMVM, de uma informação sobre a prática ilegal da atividade de corretagem por empresa não certificada, socorri-me do Google, muni-me dos dados relevantes e telefonei para a dita empresa. Não só existia, no mesmo local e com o mesmo contacto, como continuava a realizar as mesmas operações, sem qualquer crivo nem exigência. Está claro, a CMVM lavou a sua consciência, ninguém fechou a porta da empresa, ninguém suspendeu os agentes infratores, ninguém agiu de forma cabal.
Nestes últimos dias recebi uma indicação da companhia que trata das minhas comunicações a propósito da fidelização de serviço. Este procedimento, em tempo de férias, não levou a que a ANACOM tivesse tomado todas as providências para esclarecer, para prolongar o prazo de forma a um pleno conhecimento público. Os reguladores são muito isto, a ação por despacho, acreditando que esse despacho tem pernas e caminha por si só.
O que impede a maior proficiência da regulação e da supervisão em Portugal? A existência de uma cultura assente em três vetores. O primeiro, o da verificação efetiva. A amostragem, as auditorias por conta do operador, as inspeções por equipas multidisciplinares dos reguladores, as ações conjuntas entre departamentos, o conhecimento específico dos universos a auditar e a fiscalizar, a articulação com as forças e serviços de segurança, a relação com o Ministério Público, em tudo isto há um deserto de compromissos, fluxos, doutrina e normas de execução.
A recente exoneração de um diretor do Banco de Portugal por decorrência de processo antigo que o próprio banco conhecia – e esse quadro superior poderia ter sido, não tivesse havido um braço-de-ferro com o governo, nomeado para a administração do banco central – diz muito do estado em que estão os reguladores. Há uma promiscuidade entre reguladores e regulados que só se elimina com uma nova identificação das funções internas e externas de fiscalização e auditoria.
Os reguladores portugueses deveriam observar a presença do Ministério Público dentro das suas estruturas legalmente previstas, um mimetismo da relação que existe com outras entidades públicas. Essa realidade comportaria funções de verificação da legalidade, de compromisso com a ação de fiscalização, de validação dos atos de regulação, de assunção dos deveres públicos de proficiência em processo contraordenacional ou penal.
Há quem ache que o Tribunal da Concorrência tem feito o seu papel com eficiência. Eu direi que tem feito o seu papel com eficácia. Claro está que o juízo de Santarém diz-nos que quase não há processos parados, mas não nos diz do sucesso final dos processos. Tenho para mim, tratando-se, como se trata, tudo por igual (uma velhinha avarenta que empresta dinheiro é igual a João Rendeiro, o especialista), que a qualidade do resultado das decisões ribatejanas não será de molde a ter dois efeitos: impedir práticas sequentes do mesmo tipo; corrigir e punir os promotores dos atos. Magalhães e Silva, esse jurista de mão-cheia que, sem carecer de paulada fafense, desmonta cada linha dos tribunais portugueses sobre regulação; Rui Pena ou André Miranda, de tempos e estilos diferentes, com vidas e saberes distintos, autênticos anciãos da lei mesmo que novos em idade, derretem a solda das determinações e formatam, com sucesso invejável, uma contraordem jurídica para as atividades que vimos elencando.
O Tribunal da Concorrência tem, neste momento, magistrados com idades situadas entre os 33 e os 37 anos de idade. Que experiência de vida, que leitura do mundo, que exigência se colocam perante um Amílcar Morais Pires, cérebro segundo de Alves dos Reis? Pode o meio de determinação jurídica, mesmo que situado num antigo regimento de cavalaria escalabitano, ir mais além do que a mera verificação formal quando não há uma leitura concreta da importância de um algoritmo, o saber do custo de KWh/Ws, como se determinam as prioridades do espetro na faixa dos 700 MHz ou a partição da banda 5G?
Todas estas questões só se resolvem com uma outra forma de constituir “tribunais de especialidade”, consagrações especiais de judicatura em que os meios técnicos sejam recrutados de forma cuidada e sem castração por parte dos interessados no processo em desfavor do interesse público.
A PwC foi, nos últimos dias, “multada” pelos tribunais ingleses em mais de 6 milhões de libras (coima e custas) por ter sido apurada a falta de zelo e cumprimento do dever em auditorias anuais da empresa RSM Tenon, que faliu em 2013. Esta é a decisão final, em menos de quatro anos. Há quantos estamos nós com os processos BPN, BPP, BCP… muitos deles já vencidos, e os implicados absolvidos?
Deputado do PS