Informação e metadados e o equívoco Mortágua


A prevenção primária e a segurança do Estado assumem uma incontornável relevância na sociedade de risco global, sobretudo desde a mutação provocada pelo 11 de Setembro


Torna-se inquestionável hoje afirmar que a segurança é contemporânea do constitucionalismo. Desde o texto fundamental de 1822, com a trilogia liberdade-segurança-propriedade, ao texto constitucional atual que a segurança surge como expressão inequívoca dos direitos e deveres individuais dos cidadãos, tornando-a uma assunção jusfundamental incontroversa. Mas é sem margem para dúvidas na Constituição de 1976, em rigor na sua quarta e quinta revisão, que ela se aprofunda e manifesta na sua plenitude no ordenamento jurídico português, passando a atuar como direito, liberdade e garantia no mesmo plano que as mais diversas liberdades constitucionalmente estabelecidas. Mais, é aqui que ela assume condição de tutela para o exercício de outros direitos fundamentais, mas é também aqui, neste contexto constitucional, que emerge a relação de interdependência entre o conceito de segurança e o conceito de liberdade – fazendo-nos pressentir que um não existe sem o outro mas que, ao mesmo tempo e em diversas situações, podem produzir mutuamente relações antinómicas.

Na passada semana, aqui no i, Joana Mortágua escreveu sobre a promulgação do diploma que aprova e regula o procedimento especial de acesso a dados de telecomunicações e internet pelos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa. Não obstante a sua legitimidade ideológica quanto à existência de um serviço de informações, o artigo redunda num lamentável equívoco e numa indesejável contradição. Desde logo porque cai na inconveniência de confundir produção de informações com manutenção da ordem pública, investigação criminal e direção do processo penal, aspeto que, de resto, o legislador português manteve desde sempre a preocupação de dissociar, deixando de forma inequívoca a proibição de os serviços de informação praticarem atos de competência exclusiva dos órgãos de polícia criminal e das autoridades judiciárias, ou ainda atos lesivos dos mais diversos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, numa distinção absoluta entre produção de informações e investigação criminal. 

No entanto, seria igualmente um equívoco se negligenciássemos a existência da sua relação, ainda que sejam coisas distintas. Na verdade, a prevenção primária e a segurança do Estado assumem uma incontornável relevância na sociedade de risco global, sobretudo desde a mutação conceptual e operativa do conceito de segurança provocada pelo evento do 11 de Setembro, que levou à reavaliação e adaptação de meios de defesa quanto a perigos que emanam da complexa criminalidade transnacional organizada e dos atentados contra os fundamentos do Estado. Isso faz das informações um instrumento da investigação criminal. São, se quisermos, a manifestação do principiis obsta, ou seja, a fase prévia da prevenção criminal, o desejável impedimento inicial de crimes que atentem contra o Estado de direito, consubstanciando-se numa antecipação da tutela proliferada pelo direito penal. 

O acesso a metadados (detalhes de segurança, informação de domínios ou tags XML) pelos serviços de informação encontra tranquilidade jurídica na sua exigível autorização e controlo por autoridade judicial. Aliás, este requisito vem suprimir a inconstitucionalidade anteriormente decretada pelo TC. É apenas mais um mecanismo de antecipação – uma antecipação fiscalizada pela forma judicial e civil, pelo conselho de fiscalização -, mas é também um novo suporte da cooperação entre serviços e forças de segurança, em resposta às crescentes ameaças não tradicionais à segurança nacional e coletiva. 

 

Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário

Escreve à segunda-feira