Muito antes dos voos low-cost e dos “alojamentos locais”, Portugal acolheu vagas de turistas revolucionários. Os Verões de 74 e de 75 trouxeram à Lusitânia milhares de turistas sedentos de socialismo real, sol, cânticos revolucionários, vinho barato e calor humano. Como tudo em Portugal, também o turismo revolucionário foi suave. Os estrangeiros vinham descobrir o real, não vinham combater a realidade. Os locais superavam então a impossibilidade de comunicação linguística com recurso generoso a cálices de bagaço e berros silabados de “TÁS-A-PER-CE-BÊ- -RI?” Todos e todas, visitantes e visitados, guardam memórias agradáveis deste encontro de culturas.
Ao contrário da experiência portuguesa dos anos 70, o turismo revolucionário vive da organização. Devemos desconfiar de revoluções organizadas, mesmo na sua componente turística. Desaparecida a glória da Intertourist e, antes dela, as revoluções organizadas na Europa a leste, ficaram as possibilidades de visita à Coreia do Norte (convém reservar já), a Cuba (consta que a revolução sucumbiu vítima do turismo) e à Venezuela.
Estranhamente, há por estes dias mais gente a querer sair da Venezuela do que a querer visitar as glórias da revolução bolivariana. O turista, por definição, não sabe o que quer e, quando sabe, já é demasiado tarde para querer. A fazer fé na comunicação social está em curso um golpe de Estado (e não uma revolução), o que pode justificar o menor apetite por parte dos turistas revolucionários.
A bem da grande educação do povo vale a pena recordar o disposto na Constituição da República Bolivariana da Venezuela, aprovada por referendo em 15 de Dezembro de 1999. O título iii, sob a epígrafe Revisão Constitucional, inclui não uma, não duas, mas três modalidades de revisão da lei fundamental. Com a esquizofrenia típica do continente, começa por copiar o modelo dos EUA de emendas constitucionais pontuais, emendas que podem ser propostas pelos cidadãos eleitores, pelos membros da Assembleia Nacional ou pelo Presidente, e aprovadas por referendo. Foi o que aconteceu em 2009 com a eliminação de qualquer limite à reeleição em cargos públicos, limites que são, como se sabe, a pedra tumular de qualquer revolução.
A segunda modalidade de modificação do texto constitucional está próxima do modelo europeu de revisão alargada, iniciada e aprovada nos mesmos termos das emendas constitucionais.
A terceira modalidade de modificação é mais original e não pretende rever de forma pontual (emenda) ou alargada (revisão) o texto constitucional, permite substituí-lo in totum por via de uma Assembleia Nacional Constituinte eleita e cuja decisão não é sujeita a aprovação em referendo. A iniciativa, como nas duas outras modalidades, pertence aos cidadãos eleitores, aos membros da Assembleia Nacional e ao Presidente, e, nova originalidade, às autarquias locais. Curiosamente, a Constituição deixa margem para o convívio entre a legitimidade da Assembleia Nacional eleita (onde há uma maioria anti-Maduro) e a Assembleia Nacional Constituinte eleita (onde há uma maioria pró-Maduro). Maduro considera que a assembleia na qual tem maioria consumiu todos os poderes da assembleia onde não tem maioria. E defenderá, imagino, tal interpretação com o § 1.o do artigo 349.o da Constituição: “Los poderes constituidos no podrán en forma alguna impedir las decisiones de la Asamblea Constituyente.” É uma interpretação criativa na medida em que a Assembleia Constituinte tem por tarefa a elaboração da nova Constituição, e não o exercício dos poderes constitucionais cometidos à Assembleia Nacional.
A TAP voa para Caracas várias vezes por semana.
Escreve à sexta-feira, sem adopção
das regras do acordo ortográfico de 1990