Encostar aos pontos de amarração


Os últimos anos sublinharam que, apesar das mudanças, persistem demasiados estabilizadores do sistema político-financeiro comprometidos com a miscelânea entre política e negócios


Para uma governação que navega à vista, de porto em porto, conviria que os pontos de amarração tivessem sentido de futuro, sustentabilidade e sentido da realidade. É da vida que qualquer trajeto tem altos e baixos que assumem relevância acrescida quando é parca a visão estratégica para o país, é frágil a convergência de poder além da cartilha das alegrias e o exercício do poder é desprovido de projeto político em muitas questões que contam para as pessoas e para a nação, em território nacional e fora dele. 

Os últimos meses sublinharam a incapacidade de quem tem responsabilidades políticas no Estado para dar as respostas de que precisamos, na alegria e na tristeza, todos os dias da nossa vida. Lamentavelmente, há imagens do passado que regressaram, pujantes e perturbadoras, nos incêndios florestais, infelizmente com perda de vidas e muitos feridos que ficam marcados para sempre, quantas vezes perante a indiferença dos poderes públicos e das comunidades.

O problema não são apenas as falhas registadas, é a perceção da impotência para as resolver em tempo útil e para atalhar o caminho para os sinais que se acumulam na segurança e no cumprimento de diversas responsabilidades do Estado. Portugal acaba de atualizar a proposta de extensão da plataforma continental marítima apresentada nas Nações Unidas. Estão acautelados os investimentos necessários para o aproveitamento dessa eventualidade? É que em terra há demasiadas funções do Estado a serem cumpridas em evidente suplício. Será que o mar, esse espaço de inspiração e aventura, terá melhor sorte? 

Os últimos anos sublinharam que, apesar das mudanças, persistem demasiados estabilizadores do sistema político--financeiro comprometidos com a miscelânea entre política e negócios. O SIRESP é apenas a mais evidente das estabilizações, em que atirar culpas para a PT apenas alivia a má consciência dos amigos metidos no processo. Nasceu torto, não teve o investimento necessário para funcionar, tarde ou nunca vai endireitar-se. A responsabilidade do político não é fazer folclore ou mandar uns bitaites, é agir em função das suas atribuições e competência para encontrar soluções.

Os últimos indicadores de crescimento económico, os melhores de há muito, aquém das expetativas, devem ser o porto de amarração para fazer o que importa para combater a pobreza, em especial a infantil, desbloquear os obstáculos à criação de riqueza, gerar confiança na concretização de respostas para os dramáticos défices demográficos,  trabalhar em respostas para quem não está integrado no sistema e estabilizar as responsabilidades e as oportunidades na coesão territorial, nas funções do Estado e na consolidação de um caminho de crescimento económico menos dependente das circunstâncias que não controlamos.

Uma das grandes questões no horizonte é a de saber se as margens geradas pela governação servirão para corresponder aos desafios estratégicos do país ou para as clientelas políticas dos partidos que sustentam a solução de governo. Cada vez que há uma comunicação política com boas novas, após várias ausências e silêncios nas fases de tristeza, alguns esfregam as mãos, não pelo país, mas pelo eventual acréscimo de capital negocial e de objeto de negociação. É poucochinho, mas é assim.

A não haver solidez nos pontos da amarração das boas notícias, a não haver juizinho, a tendência para o disparate é grande. Um disparate materializado na divergência entre a narrativa e a realidade, entre o anúncio e o que está no terreno. Sempre a contar com a falta de escrutínio, a falta de avaliação e a falta de memória. 

Em janeiro de 2017 foi anunciado o fim das cantinas sociais, lançadas pelo anterior governo, sendo anunciada a distribuição de alimentos por cozinhar no âmbito do Programa de Emergência Alimentar, até ao final do primeiro semestre. Já aconteceu ou prevaleceu o senso de perceber que distribuir mensalmente um enorme volume de congelados é um problema logístico para quem distribui e para quem recebe?

Desde 2015 que é enunciada uma forte aposta na escola pública com diversas iniciativas de “moralização”, da resolução de problemas laborais no setor à revisão dos contratos de associação e consequente integração de alunos desses estabelecimentos nas escolas públicas. Ao fim deste tempo, alguém avaliou as opções políticas? As escolas de acolhimento tiveram o correspondente investimento nas condições ao dispor de professores e de alunos?
Desde 2015 que, apesar do resgate do ministro da Saúde dos governos PSD para a liderança da Caixa Geral de

Depósitos, há uma forte aposta no Serviço Nacional de Saúde que será pouco compatível com um aumento de 193 milhões de euros da dívida da saúde só em 2017.

Nas alegrias e nas tristezas, vai sendo tempo de cuidar dos pontos de amarração, sob pena de voltarmos a ter o barco à deriva ou por rotas que ninguém deseja.

Notas finais

FALSA PARTIDA O mesmo diretor de programas da RTP que arfa contra a transmissão de touradas não considerou importante assegurar a transmissão dos Campeonatos do Mundo de Atletismo de Londres. Dá Deus nozes a quem não tem dentes. Grandes estiveram Inês Henriques e Nélson Évora.

SALTO NULO Há menos notícias, mas os problemas agravam-se na Venezuela e na Coreia do Norte, perante a inacreditável cumplicidade das esquerdas que em Portugal se afirmam das liberdades.

O COSTUME Muita conversa, maiores manobras de diversão, o regresso do Pilha-Galinhas e, afinal, a coisa não carbura o que devia. É preciso maior criatividade para justificar os “inconseguimentos”. Carrega, Benfica!

Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira

Encostar aos pontos de amarração


Os últimos anos sublinharam que, apesar das mudanças, persistem demasiados estabilizadores do sistema político-financeiro comprometidos com a miscelânea entre política e negócios


Para uma governação que navega à vista, de porto em porto, conviria que os pontos de amarração tivessem sentido de futuro, sustentabilidade e sentido da realidade. É da vida que qualquer trajeto tem altos e baixos que assumem relevância acrescida quando é parca a visão estratégica para o país, é frágil a convergência de poder além da cartilha das alegrias e o exercício do poder é desprovido de projeto político em muitas questões que contam para as pessoas e para a nação, em território nacional e fora dele. 

Os últimos meses sublinharam a incapacidade de quem tem responsabilidades políticas no Estado para dar as respostas de que precisamos, na alegria e na tristeza, todos os dias da nossa vida. Lamentavelmente, há imagens do passado que regressaram, pujantes e perturbadoras, nos incêndios florestais, infelizmente com perda de vidas e muitos feridos que ficam marcados para sempre, quantas vezes perante a indiferença dos poderes públicos e das comunidades.

O problema não são apenas as falhas registadas, é a perceção da impotência para as resolver em tempo útil e para atalhar o caminho para os sinais que se acumulam na segurança e no cumprimento de diversas responsabilidades do Estado. Portugal acaba de atualizar a proposta de extensão da plataforma continental marítima apresentada nas Nações Unidas. Estão acautelados os investimentos necessários para o aproveitamento dessa eventualidade? É que em terra há demasiadas funções do Estado a serem cumpridas em evidente suplício. Será que o mar, esse espaço de inspiração e aventura, terá melhor sorte? 

Os últimos anos sublinharam que, apesar das mudanças, persistem demasiados estabilizadores do sistema político--financeiro comprometidos com a miscelânea entre política e negócios. O SIRESP é apenas a mais evidente das estabilizações, em que atirar culpas para a PT apenas alivia a má consciência dos amigos metidos no processo. Nasceu torto, não teve o investimento necessário para funcionar, tarde ou nunca vai endireitar-se. A responsabilidade do político não é fazer folclore ou mandar uns bitaites, é agir em função das suas atribuições e competência para encontrar soluções.

Os últimos indicadores de crescimento económico, os melhores de há muito, aquém das expetativas, devem ser o porto de amarração para fazer o que importa para combater a pobreza, em especial a infantil, desbloquear os obstáculos à criação de riqueza, gerar confiança na concretização de respostas para os dramáticos défices demográficos,  trabalhar em respostas para quem não está integrado no sistema e estabilizar as responsabilidades e as oportunidades na coesão territorial, nas funções do Estado e na consolidação de um caminho de crescimento económico menos dependente das circunstâncias que não controlamos.

Uma das grandes questões no horizonte é a de saber se as margens geradas pela governação servirão para corresponder aos desafios estratégicos do país ou para as clientelas políticas dos partidos que sustentam a solução de governo. Cada vez que há uma comunicação política com boas novas, após várias ausências e silêncios nas fases de tristeza, alguns esfregam as mãos, não pelo país, mas pelo eventual acréscimo de capital negocial e de objeto de negociação. É poucochinho, mas é assim.

A não haver solidez nos pontos da amarração das boas notícias, a não haver juizinho, a tendência para o disparate é grande. Um disparate materializado na divergência entre a narrativa e a realidade, entre o anúncio e o que está no terreno. Sempre a contar com a falta de escrutínio, a falta de avaliação e a falta de memória. 

Em janeiro de 2017 foi anunciado o fim das cantinas sociais, lançadas pelo anterior governo, sendo anunciada a distribuição de alimentos por cozinhar no âmbito do Programa de Emergência Alimentar, até ao final do primeiro semestre. Já aconteceu ou prevaleceu o senso de perceber que distribuir mensalmente um enorme volume de congelados é um problema logístico para quem distribui e para quem recebe?

Desde 2015 que é enunciada uma forte aposta na escola pública com diversas iniciativas de “moralização”, da resolução de problemas laborais no setor à revisão dos contratos de associação e consequente integração de alunos desses estabelecimentos nas escolas públicas. Ao fim deste tempo, alguém avaliou as opções políticas? As escolas de acolhimento tiveram o correspondente investimento nas condições ao dispor de professores e de alunos?
Desde 2015 que, apesar do resgate do ministro da Saúde dos governos PSD para a liderança da Caixa Geral de

Depósitos, há uma forte aposta no Serviço Nacional de Saúde que será pouco compatível com um aumento de 193 milhões de euros da dívida da saúde só em 2017.

Nas alegrias e nas tristezas, vai sendo tempo de cuidar dos pontos de amarração, sob pena de voltarmos a ter o barco à deriva ou por rotas que ninguém deseja.

Notas finais

FALSA PARTIDA O mesmo diretor de programas da RTP que arfa contra a transmissão de touradas não considerou importante assegurar a transmissão dos Campeonatos do Mundo de Atletismo de Londres. Dá Deus nozes a quem não tem dentes. Grandes estiveram Inês Henriques e Nélson Évora.

SALTO NULO Há menos notícias, mas os problemas agravam-se na Venezuela e na Coreia do Norte, perante a inacreditável cumplicidade das esquerdas que em Portugal se afirmam das liberdades.

O COSTUME Muita conversa, maiores manobras de diversão, o regresso do Pilha-Galinhas e, afinal, a coisa não carbura o que devia. É preciso maior criatividade para justificar os “inconseguimentos”. Carrega, Benfica!

Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira