Quando a ficção cientifica dos anos 80 do século passado nos apresentava o admirável mundo novo do ciberespaço, estávamos longe de imaginar que volvidas três décadas, quer em termos de organização social e relacional, quer em termos de doutrina militar face a novos domínios de conflitos, o ciberespaço tomasse uma posição central no nosso dia-a–dia, na nossa governação, na nossa economia, na criação e manutenção das nossas relações sociais e até na procura de equilíbrio e sustentação espiritual e intelectual.
A conjugação teorética do “Admirável Mundo Novo”, de Huxley, e a “Aldeia Global”, de McLuhan, desencadeou uma “sociedade em rede” cuja estrutura social é caracterizada, fundamentalmente, pelas suas ativações em rede espoletadas pela informação tecnológica que constrói o ciber-espaço. Se é verdade que o ciberespaço se vem afirmando como um potencial disruptivo do statu quo no que às oportunidades económicas, académicas e sociais diz respeito, não é menos verdade que, ao mesmo tempo num certo paradoxo, cria oportunidades de uma maior sofisticação militar, de novas fronteiras do crime, de novos atores políticos e sociais com “legitimidade” global e paraestatal, de mais dificuldades no combate ao crime transnacional e de novas formas de participação do espaço público muitas vezes fronteiriças com o crime.
Esta neoconvencionalidade de forças promoveu uma alteração inquestionável do paradigma de segurança e defesa da comunidade internacional, sobretudo depois da dimensão dos novos fenómenos de terrorismo que surgiram no pós-11 de Setembro, e uma reflexão sobre conceptualização da segurança no ciberespaço, obrigando a uma cooperação internacional na procura de métodos preventivos e repressivos face às iminentes novas ameaças no contexto securitário transnacional.
Quando Tim Jordan e Paul Taylor concluem, no livro “Hacktivism and Cyberwars: Rebels with a cause”, que o hacktivismo redunda numa manifestação de grupos ativistas contra determinados poderes e domínios, não estou certo que tal caracterização, puritana e simplista, possa prevalecer sobre a manifesta atuação ilícita destes grupos, ainda que dela decorra um combate contra um mal superior, como é o caso do terrorismo transnacional.
A mudança mais significativa a que assistimos no novo mundo do hacktivismo foi em 2011. É a partir deste momento que se dá o aumento do hacktivismo contra organizações maiores em todo o mundo – um número impressionante de ataques feitos por ativistas com muita regularidade, envolvendo massas críticas de pessoas comuns, causando um grande esforço de resposta à cibersegurança mas levantando, nalguns casos, dúvidas jurídicas tremendas quanto à licitude do protesto.
A promessa de uma internet para ativistas está aí. Os media sociais têm ganho uma enorme preponderância na transformação das sociedades, de regimes políticos e de estruturas sociais. O desafio será a forma como interpretamos e lidamos com este fenómeno de participação e protesto contra a arquitetura contemporânea da sociedade, sobretudo porque o potencial ativista da internet é diretamente proporcional às dúvidas e incertezas jurídicas que se geram quer na interpretação das ações de protesto, quer na forma como os Estados podem atuar na prevenção e repressão deste emergente fenómeno.
A campanha de recrutamento para o hacktivismo também explorou as redes sociais para envolver o maior número de participantes, com consequências devastadoras para as vítimas. Daí os simples utilizadores das redes sociais, como o Facebook e o Twitter, serem também, hoje, duplamente alvos. De recrutamento e de perseguição.
No entanto, há uma linha muito ténue entre um protesto hactivista e o cibercrime. Embora muitas operações estejam limitadas a DDoS em alguns sites da internet, muitas vezes, a divulgação de informações adquiridas através de hackers expôs dados confidenciais à opinião pública, estratégias governamentais ou ações securitárias, com graves consequências para a nossa segurança individual e coletiva.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira