Destinos de férias: Coreia do Norte, uma República Popular


A administração Trump está, lentamente, a aprender o que é chantagem nuclear. E a contabilizar os milhões de vítimas na Coreia do Sul no que seria um ataque a Seul por parte de Pyongyang


Negociar com um chantagista não é fácil. Menos ainda quando a chantagem inclui armamento nuclear e mísseis balísticos.

Num mundo perfeito, não haveria armas. A existência e a sobrevivência do mundo como o conhecemos deve muito ao armamento nuclear. As armas nucleares servem para explicar ao potencial inimigo o que, depois de Hiroshima e de Nagasáqui, lhe pode acontecer. A racionalidade da destruição mútua assegurada inviabilizou, até ao presente, aquela que seria a terceira e a última das guerras mundiais.

A conquista da arma nuclear tem custos elevados, económicos, técnicos e políticos (a censura por parte dos membros do clube nuclear), e exige um par inimigo, real: EUA-Rússia, EUA-China, Rússia-China, Índia-Paquistão, Israel-Irão/países árabes. A estes pares acresce a museologia de um passado belicoso (França e Reino Unido) e o grupo dos que rapidamente conseguiriam montar a arma nuclear a partir de materiais em stock (Japão, Coreia do Sul, África do Sul, Canadá, Alemanha, Austrália, Brasil, Argentina, México).

Neste quadro pontifica uma excepção. Há um Estado que, mais do que a dissuasão contra um inimigo, pratica a chantagem nuclear contra os EUA, Japão, Coreia do Sul, mas também contra a comunidade internacional. A chantagem permitiu no passado alimentar, por conta dos EUA e do Ocidente, uma população faminta e receber energia por conta da China. No plano interno, a chantagem nuclear permite a sobrevivência de uma ditadura familiar que, ao lutar contra um inimigo externo imaginário e global, mobiliza e controla ferozmente a população.

Uma chantagem não deixa de ser recondutível a um processo negocial e, como tal, tem uma racionalidade intrínseca, sob pena de não produzir resultados úteis para o chantagista. Não deixar margem de escolha ao chantagista ou ao chantageado não faz desaparecer a chantagem, mas elimina a racionalidade do procedimento negocial. E se deixarem de existir alternativas racionais, passar-se-á às soluções irracionais.

Estamos neste Verão mais próximos daquele ponto. A Coreia do Norte adquiriu competências técnicas em matéria de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) capazes de atingirem o território dos EUA. Pyongyang está ainda longe de dominar a miniaturização das ogivas, mas tal acabará por acontecer.

A alternativa à dissuasão nuclear pode passar pela intercepção dos ICBM, tecnicamente cara, difícil e muito perigosa, bastando que um ICBM não seja interceptado. Reagan tentou, com a guerra das estrelas, destruir a URSS nuclear sem ter de passar pela guerra. Curiosamente, ganhou a Guerra Fria não pela eficácia dos interceptores, mas pelos custos económicos para a URSS. A ameaça de um Irão nuclear multiplicou as baterias de mísseis Patriot na Europa e no Médio Oriente. Um Putin assertivo levou à defesa antimíssil europeia e a Roménia a prometer gastar 3,8 mil milhões de euros em Patriots…

A administração Trump está, lentamente, a aprender o que é a chantagem nuclear. E a contabilizar os milhões de vítimas na Coreia do Sul (incluindo milhares de GI’s americanos) no que seria um ataque a Seul com armas convencionais por parte de Pyongyang.

A China não irá desarmar o vizinho norte-coreano porque não quer uma Coreia reunificada a partir de Seul, com os militares americanos na sua fronteira.

Aqui chegados, é preciso negociar, num exercício de face saving que tem de incluir Pyongyang, Washington, Seul e Pequim. Não é impossível, mas exige vontade e capacidades que não têm sido vistas pela Casa Branca.

Caro leitor, neste Verão seja cuidadoso na escolha do destino de férias.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990