As mais recentes notícias sobre a alienação da posição que a PRISA detinha na Media Capital e a sua aquisição pela Altice vêm colocar aos reguladores portugueses questões muito relevantes que não tiveram, até hoje, qualquer solução. Essas questões prendem-se com a verificação de conformidade, determinação de remédios e, mais importante, o cumprimento das obrigações posteriores às decisões green-light que cada agência reguladora vai determinar.
Ao longo das duas últimas décadas observámos inúmeros procedimentos de concentração e aquisição em setores estratégicos. O principal desenvolveu-se no setor financeiro com processos que chegaram a implicar as relações ibéricas. Também no universo dos seguros, das comunicações e das utilities se elaboraram procederes de verificação das obrigações de concorrência a cada tempo de invasão ou absorção de parte de mercado.
Os incrementos no crescimento do BCP ou as constantes ameaças sobre o BPI reclamaram dos reguladores financeiros uma atenção especial e também exigiram um reforço e crescimento da agência de concorrência. Outro universo que obrigou a agência de concorrência a um empoderamento de competência foi o da grande distribuição, campo onde se agudizaram, sem intervenção musculada nos últimos anos, fenómenos anormais de mercado.
No setor energético regressámos, também há pouco, às questões dos custos de manutenção do equilíbrio contratual e, em tempos passados, aos serviços de sistema. Este regresso não foi de molde a sabermos muito para além de parcos relatórios e insuficientes medidas corretivas, e os reguladores trabalharam cada um para seu lado e a tempos de dança muito díspares.
O negócio da TVI, enquanto refeição empresarial da Altice, é o bom momento para perguntar pela regulação e adivinhar o que vai acontecer. De tudo, ao fim de tudo, a compra será concretizada e os reguladores cumprirão, cada um por si, as suas nobres funções.
Nesta mercancia intervirão quatro reguladores, três setoriais e um transversal. A comissão de mercados já suscitou esclarecimentos sobre o negócio, mas não se previu ainda o roteiro dos restantes.
A autoridade para a comunicação social está em processo de reconstrução diretiva; a autoridade para as comunicações está a fazer reset de uma administração muito insuficiente e claramente manietada pelos operadores e pela máquina interna; a autoridade da concorrência, nesta composição mais recente, parece precisar de hard power para se afirmar. Não é forte o cenário dos interesses do Estado verificados através dos seus tentáculos de verificação.
E há ainda o artefacto europeu que verá, com bons olhos, a coisa de que se fala.
Os reguladores portugueses vivem uma espécie de minifúndio institucional. Essa realidade muito portuguesa passa da propriedade rústica para as cabeças e, mesmo com os mais estrangeirados, não parece estar a regredir.
Os processos relativos ao BCP, que resultaram de determinações contraordenacionais promovidas pelo Banco de Portugal e pela comissão de mercados, de forma autónoma, revelaram que o tribunal da concorrência e regulação e os tribunais administrativos não conseguem entender os patrimónios regulamentares e as opções administrativas, designadamente em sede de aplicação de coima, que cada regulador segue de forma autónoma. Ora, o negócio da Altice vai ser ótimo para os grandes advogados, mas pode não ser adequado para o setor a que diz respeito e interessante para o país.
No tempo que vivemos, este processo, que será de grande exigência e obrigará a uma enorme sindicância por parte dos órgãos de soberania, não pode deixar de exigir uma relação direta entre reguladores, uma partilha de informação que ligue todos os universos, a determinação de remédios que sejam entendíveis, observáveis e mensuráveis. Mas mais, um grupo de contacto dos quatro reguladores, que deve ser impulsionado pelo governo, não deve ficar pelo aperto de mão da “compra”, deve seguir na verificação futura do desempenho.
Se assim acontecer, teremos um novo passo na regulação portuguesa. Talvez se possa acreditar que a administração independente ainda pode ter salvação.
Deputado do Partido Socialista