De LIGO a LISA com Fermi

De LIGO a LISA com Fermi


Originalmente os buracos negros eram considerados uma curiosidade matemática que não valia a pena estudar. Mas a observação das ondas gravitacionais de um colapso de dois buracos negros motivou uma explosão de novos avanços. E há mais resultados a caminho


É comum os físicos, em conversas informais, discorrerem sobre aqueles que demonstraram a sua mestria, intuição ou genialidade. Einstein, Newton, ou Maxwell são mencionados sistematicamente. Recentemente, numa conversa em que participei, alguém afirmou, provocatoriamente, que o maior físico de todos os tempos é Enrico Fermi (1901–1954). O argumento é simples: sendo a física uma ciência experimental, alguém que apresente simultaneamente contribuições teóricas e experimentais notáveis é o arquétipo da profissão. Fermi, Nobel em 1938, teve um percurso excecional. Iniciou-se nas imagens de cristais com raios-x, desenvolveu o primeiro reator nuclear, foi o precursor da interação fraca, uma das quatro interações fundamentais da Natureza1, e propôs o mecanismo para a aceleração dos raios cósmicos, as partículas mais energéticas do Universo.

Porque não é Fermi identificado com a mesma frequência que os físicos teóricos mais famosos? Por um lado, ainda prevalece a visão romântica da luta solitária com as leis fundamentais da natureza recorrendo apenas à intuição e à matemática, verdadeira no início do séc. XX mas cada vez mais afastada da realidade das colaborações, das redes e das equipas que permitem os actuais avanços. Por outro lado, a ilusão de que é possível criar um novo revolucionário como Einstein de quase geração espontânea permite adiar uma verdadeira aposta na ciência experimental que exige equipas alargadas, infraestruturas modernas e investimentos avultados.

Existem inúmeros exemplos de como é na confrontação com as experiências que os avanços teóricos se tornam verdadeiramente transformadores. O exemplo mais recente são os buracos negros, uma consequência da teoria da relatividade geral, inicialmente considerados uma curiosidade matemática. Einstein não acreditava que se poderiam formar e outros físicos famosos, como Robert Oppenheimer, consideravam que o assunto não era suficientemente nobre.

Tudo se alterou recentemente com os resultados do LIGO2. Localizado nos Estados Unidos, este observatório de ondas gravitacionais é constituído por dois laboratórios, separados mais de 3000 km, que medem a passagem das ondas gravitacionais através dos seus braços de mais de 4 km de comprimento, constituídos por lasers e detectores de elevada precisão. Em 2015, o LIGO detetou pela primeira vez as ondas gravitacionais de um colapso de dois buracos negros com aproximadamente 30 vezes a massa do Sol a mais de 1,3 mil milhões de anos-luz da Terra. Estes resultados experimentais motivaram uma verdadeira explosão de novos avanços, novas ideias e interesse científico como nunca antes observado. Portugal tem contribuições importantes através do Departamento de Física e do CENTRA no Técnico. Estes cientistas também participam na experiência LISA da Agência Espacial Europeia que pretende instalar o equivalente ao LIGO, ainda mais sensível e mais preciso, em satélites, o que será também um extraordinário desafio tecnológico.

Mas mais resultados estão, literalmente, a caminho. Por exemplo, uma outra colaboração, “Event Horizon Telescope” , terminou em Abril uma campanha experimental de cinco dias de observação de dois buracos negros com o objetivo de captar a luz emitida pelo plasma nos campos magnéticos que permeiam a matéria que cai nos buracos negros. Combinando nove telescópios em locais tão distantes como a Serra Nevada, em Espanha, e o Pólo Sul será possível reconstruir imagens com uma elevada resolução da vizinhança dos buracos negros. Muito para além do que Einstein ou Oppenheimer poderiam sonhar, Setembro trará assim novas descobertas fundamentais, numa demonstração do impacto e da centralidade da atividade experimental colaborativa e dos seus heróis, como Fermi, para o avanço da física.

 

1. As outras interações fundamentais são a gravítica, a electromagnética e a forte. Um dos objectivos centrais da física é a descoberta da teoria que unifica todas estas interações ou forças.

2. Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory https://www.ligo.caltech.edu/

 

Professor Catedrático do Departamento de Física. Presidente do Conselho Científico, Instituto Superior Técnico