A notícia da investigação ao número de mortes na tragédia de Pedrógão Grande, lançada pelo jornal “Expresso” e aprofundada pelo jornal i, é talvez, a confirmar-se, o maior escândalo político a que alguma vez assistimos e vem confirmar os relatos contraditórios que vão subsistindo desde aquele fatídico dia.
O país não se pode sujeitar nem tão- -pouco conformar com a existência de uma “verdade oficial” ditada por critérios aparentemente absurdos que inquina a contabilização das vítimas, agrupando-as e definindo-as de acordo com uma “verdade” criada pelo governo. Um governo que neste caso, como já se percebeu, tudo tem feito para instrumentalizar institutos públicos e entidades oficiais. Desde as causas do incêndio, de resto imediatamente apuradas, ao número de vítimas mortais.
No fundo, nunca desejei tanto que a comunicação social estivesse errada, pelo medo que me induz a ideia de ser governado por quem esconde a verdade em assuntos desta natureza. Pois quem esconde a verdade nisto, esconde em tudo. Se vier a confirmar-se a veracidade daquilo que o “Expresso” e o i noticiam, não haverá afeto que salve este governo da ignomínia e do embuste. Não consigo conceber que a vida dos meus concidadãos sirva de argumento para a manutenção do poder, para a sonegação da verdade que todos temos o direito a conhecer, para o controlo e manipulação das instituições públicas e para a subsistência do poder.
Recuso-me a acreditar que um governo democrático, que se apelida “patriótico e de esquerda”, esteja mais preocupado em realizar sondagens sobre a perceção que temos dele depois da tragédia do que em apurar toda a verdade dos factos e dar-nos a conhecer o que realmente aconteceu e quantos dos nossos verdadeiramente perderam a vida naquele dia. A morte não pode ter critérios de contabilização.
Recuso-me a aceitar a legitimidade e a autoridade de uma Proteção Civil que institui a censura como modo de operação, proibindo os comandantes distritais de falar com a comunicação social sobre a tragédia. Uma Proteção Civil que determina critérios subjetivos para a contabilização de vítimas, ignorando a sua missão e obrigando-se a alinhar num jogo político cujos interesses não sabemos bem quem servem. Na verdade, não existem mortos diretos e indiretos no incêndio. Há apenas mortos. Há mulheres, homens e crianças que estavam no local errado à hora errada e que os agentes públicos têm o dever de honrar. Honrar com a informação completa sobre o sucedido, com o apuramento cabal de responsabilidades e com a introdução de mecanismos para que a tragédia se torne irrepetível.
Quanto mais António Costa diz que “já está tudo esclarecido” relativamente à contabilização das vítimas mortais do incêndio de Pedrógão Grande, mais tenho a sensação de que se esconde qualquer coisa. Quando o Ministério da Administração Interna, contactado pela comunicação social, responde num tweet sinistro “64 vítimas mortais, é este o número validado pelas autoridades competentes. A lista das vítimas está em segredo de justiça”, não percebe que a resposta não só não convence ninguém como apenas suscita ainda mais dúvidas.
O apelo social é, portanto, simples. Quando quem nos governa serpenteia pelas interrogações e contradições que vão surgindo na tragédia de Pedrógão Grande, resta-nos a comunicação social (CS). E aqui não tenhamos dúvidas. Talvez nunca o papel da CS se revele tão crucial. No apuramento da verdade, mas sobretudo na garantia do Estado democrático e do regular funcionamento das instituições. É o momento de a CS se sobrepor às lógicas ideológicas, à subjetividade essencial dos critérios editoriais e às suas inerentes conformidades empresariais. O tempo exige a verdade. E se quem nos governa foge da verdade, cabe à CS essa enorme responsabilidade da concretização democrática.
À CS e a nós. À nossa mobilização social nas redes sociais, nas ações de voluntariado e em todos os locais que evitem a todo o custo que Pedrógão Grande caia no esquecimento e na rede desta “verdade oficial”. Isto nada tem que ver com esquerda e direita. Tem que ver com caráter, com princípios. Com os princípios humanistas que fundam a nossa liberdade e a nossa democracia. Princípios que não podem submergir com o falhanço do Estado, com a ocultação da verdade, com o apagão circunstancial da democracia.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário, Escreve à segunda-feira