A propósito de um caso judiciário que está em curso, alguns cidadãos da República manifestaram perplexidade relativamente à atuação das entidades que o têm em mãos ou teceram mesmo críticas, umas mais expressivas do que outras. Que fique já clarinho que eu intervenho no caso como advogado e que não é a substância das perplexidades ou o acerto ou não das críticas que aqui me interessam – nem, aliás, poderiam interessar, já que neste nosso país em que todos discorrem sobre tudo aqueles que estão envolvidos nos casos e sabem deles alguma coisa são os únicos que estão inibidos de discorrer. Aqui, a única coisa que me interessa é olhar um pouco para o coro que se levantou contra a manifestação das perplexidades ou das críticas, dizendo que estava em causa a separação de poderes, aqui d’el-rei, tanto mais que alguns dos que levantaram a voz têm cargos políticos e são da cor partidária de visados no tal caso. E pronto, logo se incendiou a opinião e logo se ressuscitaram velhos fantasmas e recorrentes preconceitos.
Ora, tenho para mim que – independentemente de ser aconselhável falar ou ficar calado sobre estes temas quando se tem certos cargos – a conversa da separação de poderes vem aqui a despropósito e, aliás, é usada, como noutras vezes, para defender o poder judicial (curiosamente, nunca para defender os outros poderes), como uma espécie de dogma cujo alcance se pretende que vá muito para além daquilo que ela é e deve ser. Que a separação de poderes é absolutamente essencial, não tenho dúvidas. Que farei tudo para a defender, como para defender outra meia dúzia de valores que estruturam o nosso modo de vida, disso também dúvidas não tenho. Mas isso não significa perder de vista que a separação de poderes não é como o eucalipto e não deve secar tudo à volta, a começar pela liberdade de expressão e de opinião. Então só por causa da sacrossanta separação de poderes, um cidadão, mesmo que tenha cargo político, não pode opinar e criticar? Também vivemos no dogma da infalibilidade dos poderes? Ou queremos regressar ao clima do respeitinho?
Tenham lá paciência com o exagero e não transformem a separação de poderes em arma de arremesso dos de uma cor política contra os da outra, e menos ainda em discurso pomposo de jornalistas opinadores e moralizadores sempre desconfiados de uns e nunca desconfiados de outros. E também não se esqueçam que o que se pretende é que os poderes sejam separados e independentes, para evitar a concentração e o abuso, mas isso também implica que entre si de alguma forma se vigiem, e que cada um deles também não caia em abusos. Ora, como sabemos bem, a liberdade de expressão e de opinião é uma boa instância de controlo para evitar abusos, sobretudo quando os poderes em causa quase não são escrutinados de outra forma, como acontece com o poder judicial. Portanto, ponhamos as coisas em seu sítio e partam em paz para férias, que não é por causa das críticas e das perplexidades manifestadas sobre este caso que está em perigo a separação de poderes. Até pode ter ameaças, mas não são por este lado.
Escreve quinzenalmenteeito