Como se lida com um bairro organizado numa espécie de apartheid indistinto aos olhos comuns, atravessado por uma rua que divide uma comunidade branca de uma comunidade negra cuja pressão social não apenas amplia os problemas críticos e comuns das comunidades, como a droga, a criminalidade e a delinquência, como impede o normal ensejo de ascensão social dos seus habitantes? Como se lida com um poder autárquico cego e ineficaz na justiça social, nas políticas de integração ou no provimento de melhores condições de vida daqueles que escolheram o nosso país para viver e, por cá, constituíram as suas famílias com vista a um melhor futuro do que aqueles que os seus países de origem lhes prometiam?
Como se atribui às forças de segurança responsabilidade exclusiva pela manutenção da ordem e da tranquilidade pública das pessoas que vivem naquele contexto e de todas as outras da malha urbana envolvente cujas liberdades se veem diminuídas pela expressão da guetização a que estas pessoas foram sujeitas?
Ninguém, por certo, conseguirá responder com uma verdade universal.
A Cova da Moura é um dos bairros mais críticos do nosso país. E só o é porque a negligência da política, curiosamente de esquerda, assim o permitiu. As pessoas que lá vivem são fruto das circunstâncias a que foram sujeitas ao longo de demasiados anos. E isso é o condimento para que a criminalidade e o exercício da impunidade imperem junto dos gangues e das pequenas organizações criminosas que, inevitavelmente, acabaram por brotar. O caso que envolve 18 agentes da PSP de Alfragide é demasiadamente grave para não ser célere nas suas conclusões e para não ser de consequência pesada para quem, comprovadamente, abusou da força e desrespeitou os princípios humanistas e democráticos que subjazem ao fardamento que envergam.
Mas não deixemos que a ditadura do politicamente correto, a que estamos inequivocamente sujeitos nos dias de hoje, seja igualmente motor de julgamentos antecipados, de conclusões precipitadas e de linchamentos públicos de quem está, com todos os perigos e muitas vezes sem as condições necessárias, na linha da frente da nossa defesa coletiva, da nossa tranquilidade e da nossa paz social, que nos permite usufruir na plenitude da nossa liberdade.
Há várias formas de racismo. Quando o agente da PSP Irineu Dinis, de 33 anos, foi brutalmente morto na Cova da Moura, ou quando o ex-agente Eduardo Paixão, de 65 anos, foi morto, na Buraca, ao defender a sua mulher, com tiros de uma caçadeira de canos cerrados na cabeça, podíamos dizer também que se tratou de racismo contra homens de azul. Mas não foi. Foi crime de homicídio.
Ou quando, depois de serem conhecidas estas recentes acusações do MP, Jakilson Pereira, próximo do Bloco de Esquerda, coloca no Facebook fotografias de carros da polícia com a legenda “Começou a onda de intimidação” e é suportado por outros em comentários como “Que fazemos? Vamos aí?” ou “Os porcos…”, também poderíamos dizer que é racismo. Mas não é. É apenas a manifestação da indignação e do medo. Sobretudo do medo. Um medo que surge de um divórcio silencioso e fraturante entre a sociedade. Entre aqueles que usufruíram de oportunidades e aqueles a quem o destino confinou à miséria e aos grilhões de uma prisão social.
O respeito pela missão e pelo esforço da PSP merece-nos mais cautelas, sem que isso signifique sermos menos exigentes na avaliação da sua atuação. O linchamento público de agentes das forças de segurança no exercício da sua missão é indesejável e perigoso. Isso não significa que não devem ser cabalmente apurados todos os factos e, por consequência, comprovando-se, puni-los exemplarmente. De forma que continuemos a confiar, a acreditar e a apoiar a polícia que temos. Há bons polícias e há maus polícias. Tal e qual como as pessoas da Cova da Moura ou como em todas as profissões. Mas sem polícias motivados e com autoridade moral e legal, nós não conseguiremos viver em sociedade.
Vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Docente universitário
Escreve à segunda-feira