A nação que respira melhor detesta ser incomodada com más notícias, com a realidade ou com a necessidade de participar. Elege representantes para que a representem, sem a incomodar e com salvaguarda do essencial para os seus bolsos. Não sei se será resquício de um passado de há mais de quatro décadas, em que a participação com pensamento próprio era fustigada, alguém decidia sem que fosse questionado e a liberdade de expressão era uma aspiração dos inconformados. Quarenta e três anos depois, há quem prefira as pretensas verdades convenientes, a falta de coerência política, a acefalia e o tribalismo fustigador de quem pensa diferente com um ódio que muda ao tom do chefe. É inacreditável como no verão consegue haver tanto bafio e a ilusão de que podem condicionar quem quer pensar, dizer e agir em função das suas convicções. Puro tempo perdido.
A nação que arfa mais oxigénio tem de ver uma inconciliável contradição entre o histórico défice da viragem de página da austeridade e as fustigantes cativações e dilações de contabilização e pagamento de despesa que limitam o investimento e o funcionamento regular dos serviços públicos. O problema não é haver cativações (sempre as houve), é ter-se passado a ideia de que a austeridade tinha acabado e que este expediente de controlo da despesa tinha sido ruminado pela vaca que voa.
A nação, que regurgita os quatro anos da troika a cada esboço de oposição, não se pode conformar com o diletantismo do exercício do poder sem rumo, sem sustentabilidade e sem sentido de futuro. Tem de ser mais exigente no escrutínio, na transparência e na explicação das opções do que o degredo do passado da direita. Tem de questionar por que razão um escritório de advogados que participou na conceção do SIRESP é agora chamado a avaliar a potencial ganância de salvaguarda dos interesses privados. Porque há amigos ou próximos? Há um certo sentido de impunidade, de desfaçatez no limiar da lata e do arbítrio que não pode ter espaço no nosso tempo. Não há temas fechados por decreto ou pela voz do chefe, como também não é aceitável haver um conjunto de geometrias variáveis no Estado de direito democrático que minam a segurança, a confiança e a credibilidade do seu funcionamento. Porque avançam processos judiciais e outros, mais graves, ficam parados? Porque se anuncia um saco azul do GES com políticos e jornalistas e, mais de um ano depois, a montanha nem rato tem para parir? Porque se quer que as circunstâncias se sobreponham à realidade? Porque se eleva a descentralização como a grande reforma e vamos para eleições autárquicas sem que os eleitos e os eleitores saibam com o que vão contar? Porque se desestabilizou tanto o dispositivo de proteção civil e não se aproveitaram todos os recursos financeiros existentes para a prevenção de incêndios?
Parte da nação detesta ser questionada, incomodada, e ter de pensar. Está conformada com o poder, com a proximidade do poder ou com a realidade viabilizada por uma gestão de curto horizonte.
Parte da nação não conseguiu o equilíbrio entre direitos e deveres, convive mal com a liberdade de expressão, destila rafeirices nas redes sociais e nos comentários online dos jornais, aceita grilhetas a troco do conforto da pertença a uma tribo.
Parte da nação não está bem. Não vê que os sucessivos casos, de Pedrógão e Tancos às filas no aeroporto por falta de investimento no SEF, são expressões de falha e falência de funcionamento do Estado que lesam a imagem internacional de Portugal e afetam a galinha dos ovos de ouro do turismo. Não vê que sucessivas promiscuidades similares às anteriores contribuem para a degradação do funcionamento das instituições e do sistema político.
Parte da nação não quer ver nem ser exigente, vai de férias, detesta incómodos.
Há falta de liderança, de explicação e de estratégia de comunicação sintonizada com a realidade e menos com o vomitar de narrativas através de redes de replicadores acéfalos.
Quando se gere a pensar no imediato ou no muito longo prazo, o mais certo é acabar por nem haver tática nem estratégia. Não será mau enquanto houver uns trocos nos bolsos mas, se não houver sustentabilidade das opções políticas, só pode dar chatices. A súbita fragilização governativa, somada à debilidade da oposição e à dissimulação dos partidos apoiantes da solução de governo, acarreta para já duas grandes consequências: o reforço do poder negocial das esquerdas na negociação orçamental e a emergência de um certo nervosismo das candidaturas autárquicas pela degradação do ambiente político nacional. Nenhuma das duas é positiva para o país, pela insustentabilidade e pelo despesismo que podem gerar.
A nação em estado groove detesta ser incomodada. Não ao detestado da nação. Ponto!
Notas finais
Alto astral. A inauguração dos voos diretos entre as capitais de Portugal e da China, operada pela Beijing Capital Airlines, do grupo Hainan Airlines, é uma boa notícia para o turismo e para a restante atividade económica.
Boa onda. A declaração de intenções de Portugal e Espanha de iniciarem negociações centralizadas de medicamentos, de forma a aceder a mais fármacos e mais inovação terapêutica a preços mais baixos, é uma boa notícia para os cidadãos.
Não dá. O nível de degradação de boa parte das infraestruturas rodoviárias nacionais por falta de manutenção é confrangedor e fator de insegurança rodoviária. Há 20 anos que o número de mortos nas estradas portuguesas não aumentava tanto.
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira