Regulação, essa desnecessidade


O país não pode permitir que se aprofunde o sentimento de desconfiança em relação aos reguladores. É preciso uma maioria parlamentar que promova as mudanças adequadas


Há um problema grave, em Portugal e em todos os países europeus, com os universos regulatório e de supervisão. Esse problema assenta em quatro vetores essenciais. O primeiro, o que se prende com a captura, pelas instituições comunitárias, da determinação direta sobre os mercados, que restringe a decisão nacional às franjas mínimas de intervenção. O segundo, o que se prende com a implicação dos regulados nos mesmos mercados, empresas de enorme potencial, com ramificações e influência supranacional, que promovem o curto-circuito das decisões e limitam os poderes eleitos de cada Estado.

O terceiro, o que se prende com as empresas de auditoria. Os reguladores nacionais, implicados de forma intensa pelas agências europeias, consagraram a regulação e a supervisão assentes em auditorias externas. Ora, o que acontece é a total promiscuidade entre regulados e auditores que impede a intervenção direta, competente e atempada dos reguladores e supervisores. Por último, o facto de os reguladores nacionais se entenderem como que ungidos pelo Senhor, desconsiderando a obrigação de reporte público, de sindicância pelos cidadãos e de obrigação de demonstração da qualidade da regulação e supervisão que desempenham.

Mas o que vem a ser essa coisa pomposa a que se dá o nome de regulação, porque foi inventada e se afirma a todo o tempo, apesar do conforto que todos sentimos? É tão-só o conjunto de instrumentos jurídicos, administrativos e de ponderação económica que o Estado usa para cumprir três objetivos: 1) impedir os abusos das atividades económicas sobre os interesses legítimos de uma comunidade; 2) determinar o sentido que devem seguir as empresas, tendo em conta os interesses socialmente relevantes; 3) garantir a sustentabilidade económica dos agentes de mercado.

Ora, a grande crise financeira do final do século passado, com as implicações que aportou aos países ocidentais, incrementou a contestação e colocou os reguladores no foco público.

Em Portugal, desde o processo BPN, o regulador financeiro é motivo de atenção, costas largas de imponderações dos agentes de mercado e resultado de uma estrutura anacrónica e impreparada que lentamente tem vindo a debater-se com as exigências das novas realidades políticas, em especial com os populismos.

Mais recentemente, os restantes reguladores financeiros passaram a incluir o universo das estruturas a atacar, por sua culpa e pela incompetência demonstrada em processos inúmeros.

A partir de meados da última década do século passado, quando a abertura da economia se promoveu com mais intensidade e as grandes empresas se abriram, definitivamente, aos capitais privados e aos mercados internacionais, nasceram reguladores setoriais. Os primeiros, da energia e das telecomunicações, assumiram estruturas e vocações diferentes, opções regulatórias díspares e raramente se entenderam quanto a modelos obrigatórios de reporte público. Nasceu posteriormente a entidade de supervisão da concorrência, esta sim, essencial ao equilíbrio dos mercados e à tendência, por artefactos imensos, de controlo do mercado.

Temos ainda outros reguladores, entidades de segunda ordem por agora, umas que não têm pernas para seguir e outras que careciam de uma linha política coerente por parte dos governos. Nestas últimas insere-se a entidade das águas e dos resíduos.

A intervenção da troika fez o país pensar no universo das autoridades administrativas independentes e, em especial, dos reguladores e supervisores. Esse exercício não teve consequência relevante, não se afirmou na ponderação das bases essenciais para a reivindicação de uma regulação mais afirmada e mais consequente.

A aprovação da lei-quadro das entidades reguladoras, já revista em curtos pormenores nesta legislatura, não encontrou o caminho para a formatação do universo regulatório. Por exemplo, não assumiu a leitura correta quanto à separação ou integração dos reguladores da energia e da água, ou dos reguladores das comunicações e da comunicação social. E também não verificou as atribuições e competências que foram entregues aos reguladores e que são, em absoluto, das entidades da administração direta do Estado.

Os portugueses perguntam: quem são e para que servem estas entidades? E esta questão resulta, tão-só, do facto de serem motivo público por razões de mordomias salariais, de inação ou de promiscuidade com as empresas.

O país deve ponderar o universo regulatório. Deve fazê-lo tendo em conta as baias apertadas que resultam da comitologia europeia e dos interesses alargados dos portugueses. Mas não pode permitir que se continue a aprofundar o sentimento de desconfiança. Para que isso possa acontecer deve existir uma ampla maioria parlamentar que se foque no futuro e promova as mudanças adequadas, e não as inovações reivindicadas, a cada dia, pelos media.

 

Deputado do Partido Socialista