Allan Starski. “Há muitas formas diferentes de se ver filmes”

Allan Starski. “Há muitas formas diferentes de se ver filmes”


Designer de produção de “A Lista de Schindler” é um dos convidados da 13.ª edição do FEST – Novos Realizadores Novo Cinema, a decorrer até segunda-feira em Espinho.


Nascido em Varsóvia a dois anos do fim da II Guerra Mundial, Allan Starski cresceu no que sobrou da Polónia da II Guerra. Um dia Steven Spielberg foi a Cracóvia encontrá-lo à procura dos cenários do que seria “A Lista de Schindler”, depois disso recriou a sua cidade a partir das memórias de infância de Roman Polanski para “O Pianista”. O designer de produção polaco é um dos convidados do Training Ground, o programa educativo do FEST — Novos Realizadores Novo Cinema, que decorre até segunda-feira em Espinho, onde o encontrámos

“A Lista de Schindler” deu-lhe em 1994 o Óscar de Melhor Direção de Arte, em conjunto com Ewa Brown. Como foi a experiência de trabalhar com Steven Spielberg num filme com esta dimensão no seu país? Nunca um cenário tão grande tinha sido construído para uma rodagem na Polónia.

O Steven queria um cenário o mais real possível. Se foi o maior na Polónia… para a nossa equipa foi um filme muito grande. Para o Steven, que nessa altura estava a terminar o “Jurassic Park”, não terá sido tanto [risos]. Ele estava a filmar na Polónia pela primeira vez e que queria que este fosse um filme quase documental sobre o tempo da guerra e o meu trabalho foi construir não só um grande cenário, mas construí-lo de forma muito realista.

Como é que chegou a esse filme?

Já tinha trabalhado em vários filmes sobre o mesmo tema que o Steven tinha visto, por isso quando foi a Cracóvia quis encontrar-se comigo. conversámos durante três ou quatro dias, ele queria perceber qual era a minha proposta, porque a ideia aqui era filmar nos locais reais e tudo isso tinha que ser preparado. Essa é a grande diferença entre este filme e “O Pianista” [2002], do Roman Polanski, que queria construir os cenários a partir das memórias que tinha da guerra, da sua infância no gueto de Varsóvia.

E esse é um trabalho mais difícil.

Sim, porque tudo teve que ser construído da forma como ele se lembrava — as descrições dele eram muito precisas. Como o Steven queria usar as localizações reais o importante era perceber como podíamos chegar a isso nas ruas de Varsóvia. Já com o campo, que não existia e tivemos que reconstruir, o problema não foi construir o campo, foi construi-lo com a povoação que ficava junto ao campo [Plaszow, nos arredores de Cracóvia]. Além disso, o cenário foi construído a cores mas o filme era a preto-e-branco, e era preciso perceber como é que isso resultava depois no filme. Mas foi um filme muito premiado, recebeu sete Óscares, e acho que a sua força vem justamente deste lado tão realista, que faz com que as pessoas acreditem naquilo que estão a ver no ecrã, com que não sintam que estão a ver cenários construídos. 

Que processo de trabalho seguiu para chegar a esse cenário?

Reuni muita informação sobre o campo [de Plaszow], consultei arquivos à procura dos desenhos e das fotografias originais e depois o cenário é construído de forma a servir a história, é uma combinação dos meus conhecimentos históricos com o meu entendimento do que deve ser um filme. Não é uma cópia do campo real. É o campo real transformado para um filme. Em “A Lista de Schindler” pus todo o conhecimento que tinha acumulado nesses filmes anteriores. Depois fiz também “O Pianista” para o Roman Polanski mas são dois filmes completamente diferentes porque são dois artistas completamente diferentes, que procuram emoções diferentes, mesmo que estejam a retratar o mesmo período. 

Nunca foi um problema para si, como polaco de ascendência judaica, trabalhar em filmes sobre a II Guerra Mundial e o Holocausto?

Esta história passa-se na Polónia, eu sou polaco e cresci no pós-guerra, em casa falava-se sobre a guerra, é uma realidade que conheço, ao contrário de alguém que venha da América. 

Que memórias tem desse tempo? Enquanto criança tinha essa consciência da guerra?

As ruínas e as marcas da ocupação alemã ainda eram muito visíveis, na escola falava-se nisso o tempo todo, ainda havia muitas reminiscências da guerra.

É verdade o que se conta sobre o Steven Spielberg ter inicialmente pedido ao Roman Polanski para fazer “A Lista de Schindler” e que ele recusou para depois fazer “O Pianista”?

Os jornais escreveram-no mas lembro-me de um dia o Roman me contar que tinha medo de voltar a esse tempo. E que a fazê-lo seria com o seu próprio filme, com as suas memórias. “A Lista de Schindler” é a história de um alemão que ajudou os judeus, “O Pianista” é a de um compositor judeu escondido na Polónia, uma história que lhe é muito mais próxima. Provavelmente o que aconteceu foi que depois de ter visto “A Lista de Schindler” quis dar o seu testemunho sobre esse tempo.

Quando olha para a extensa lista de filmes em que trabalhou ao longo dos anos, estes dois foram os mais importantes para si?

Eu continuo a trabalhar. Obviamente “A Lista de Schindler” é o mais importante para mim, depois disso veio “O Pianista” e há três anos, por exemplo, trabalhei com o Fatih Akin, um realizador alemão de origem turca, no “The Cut”, um filme sobre o genocídio arménio durante a I Guerra Mundial. “A Lista de Schindler” foi muito importante não só por ser um bom filme mas porque teve muito impacto e muito público, apesar de ser sobre um tema tão difícil. Há muitos filmes sobre o mesmo tema mas não tiveram o mesmo sucesso, esse transformou-se num ícone do Holocausto. E agora está a transforma-se numa espécie de clássico, num desses filmes obrigatórios.

Qual é o filme mais necessário agora, neste tempo presente?

Há muitas formas diferentes de se ver filmes. Este festival em que estamos parece-me importante pela escolha de filmes tão autorais. Acho que é esse o futuro. Por um lado há esta grande onda dos grandes blockbusters americanos, mas há também estes filmes mais artísticos que nos dão um olhar sobre realidades tão distintas de vários países. Ainda agora estava a ler a sinopse de um filme chinês que quero muito ver porque interessa-me perceber a realidade chinesa. O problema do cinema mais experimental é não ter público. Se o realizador não é conhecido, se os atores não são conhecidos, são filmes mais difíceis de promover. Mas ainda há dois anos um filme polaco, “Ida” [de Pawel Pawlikowski] venceu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Foi um filme que conseguiu surpreender.